15/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 642 a 649


 

642

Quarta-feira
14 de Julho de 2021

    Por mais leituras feitas, por mais escritas praticadas – morre-se analfabeto. Talvez por isso os ignorantes creiam tanto na vida-eterna: para eles é mera continuidade, trivial mais-do-mesmo. É escusado tagantá-los a preceito nos lombos: podem ser eles a ter razão.
    Tagantá-los? Significa chicoteá-los, azorragá-los, zurzi-los, vergastá-los, afiambrá-los, paudemarmeleirá-los. Só posso fruir o léxico – e tudo o resto – enquanto vivo. Como ontem à noite era o meu caso, podeis (já podeis, pois que me tendes acompanhado, só este ano, por 641 + 1 ocasiões) facilmente perceber a minha alegria ao dar de viseira nestas gemas: tagana, fataça, mugem, liça & tagarra – tudo sinónimos de tainha (o peixe). Tainha que é também alhures chamada – corveu (ou corvéu), galhofa, garrento, mugueira, negrão. Caramba: rica de sinónimos como espinhas, tal nadadora. É, convenhamos, de debacar analfabetos.

643

    Esta é a minha veniaga, outra não tenho, posso ou quero. Não a quero, sequer posso ou terei por incompta, grosseira, rude, sem finura. (Disse-a veniaga – e é-o, mas não sei mercadejá-la, não sei. Escrevivo de borla, com ou sem remédio, é conforme não sei o quê.) Enfim: que não seja, prosa ou poesia, mera alografia.

644

    Aqui muito perto, descida a ladeira quási rectilínea que une o meu promontório à avenida, dormem homens ao relento sob a via-rápida assente em pilares maciços como a miséria. Vejo-os amiúde. Documentam eles as maravilhas-do-progresso. Partilham algo de lixo & anjo ao tempo mesmo. O que (des)fazem, e como, e desde quando – não sei. Valem-me de espelho, mais vezes até do que é confortável pensar. Por isso, passo já à entrada seguinte.

645

    Fake-news: “Bolsonaro internado com obstrução intestinal”.

    Facto-vero: “Bolsonaro É a obstrução intestinal”.

646

    Edinburgh, ano antigo. Uma Rua de Santa Maria. Bares com pista circular de dança. Uma noite fria, muito depois de Arthur ter vindo estudar Medicina, mesmo muito depois. Fria & escura, a noite nova na velha cidade. E a tragédia golpeia, jovens desaparecidas, nenhuma sensata esperança. Duas mortes por & para nada. A história exigiria um escritor mais seco, mais árido, menos dado a ornatos barrocos – não me pede, pois, autoria.

647

Pedra-de-toque dos meus dias
A luz mede também o poço
Do que vejo, do que não & do que ouço
À sombra mesma das noites frias

Frias por dentro algumas vezes
Por fora em brasa agressiva
Matéria da memória viva
Doçuras candentes, pessoas soezes.

648

    Tivemos o 25 de Abril, somos livres.
    Isto no geral. Já no aspecto particular, não é bem assim. Na verdade, pessoa nenhuma é – ou está – livre: do coice de uma besta.

649

Descaroável série de sociopsicopatas.
Muita dessa merda-bípede no mundo.
Tomai uma: Angus Sinclair, fideputa.
Não há, mas deveria haver Inferno.
O de Dante não basta.

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Canzoada Assaltante