10/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 591 a 598

© DA.


591

Terça-feira,
6 de Julho de 2021

    Há um pouco mais de meio-século, escrevia Nuno Bragança in A Noite e o Riso:

    “(…) há na escrita a fúria meticulosa da subversão que recusa à Ordem falsa a própria seriedade.”

    São palavras adequadas ao presente em que foram escritas, ao pretérito-recente que pretendiam obliterar & ao futuro que se fez hoje. Digo eu – mas a obra citada é muito melhor do que qualquer coisa que eu diga: sobre ela e/ou sobre outra coisa qualquer.

592

    Noite antiga, ígneo azeite em lamparina, Lua causticando de sua viva cal as ossadas defuntas nos ontens de séculos-por-séculos.
    Casebres em que arde o magro graveto colhido do pinhal do rico, ausente em Lisboa oxalá que para sempre.

593

Tive hoje notícias de certa mediocridade autobeatificada
Novas (afinal) velhas de certa mesquinhez autocanonizada.

Porque essencialmente rapaces mas covardes também
Os abutres só atacam vivo o moribundo sem autodefesa.

Sinto profunda repugnância por afins noticiários
Mas faço que desconheço & me calo, excepto em papel-lápis.

Ite, piça est.

594

Não alinho com os que querem volver norma a anormalidade.
Não atino com os que querem tornar regra a excepção.
Não abençoo os que fazem ao desvio honras de lei.
Tudo recuso à “Ordem falsa” a que Nuno Bragança se referia.
Muito a sério, ó-de-Esguelhas!

595

    Catarina Maria Cavaleiro Aberdine
    Casada com Jonas Pio Salado Bizarras
    Ainda tem unhas mas não usa guitarras
    Unhas poderosas, que são garras
    Com ela é mauzito que se desatine.
    Conheço-a de um filme super-8 de produção caseira (casa dela, não minha). A película foi impressionada em Montemor-o-Velho (Castelo & Vila), circa 1972/3. É uma besta – e não me refiro à película. Até no filme (mudo) se vê como ela soslaia o manso Jonas. Puta como as casas. Pinta de pantera-galinácea, se bem me entendeis: boa apenas para arranhar os ovos. Falo-Vos dela porque sim. Estou chateado com merdas que hoje soube a propósito de duas orcas que nem nadar sabem, coitadas. Ora, estas fizeram-me evocar aquela. As três, marca-cagalhão. Pim-pampum-pampapão.

596

Nenhuma volta a dois tornaremos a dar pelo entardenoitecer.
Não veremos o fatigado encerramento de expediente & comércio.
Não voltaremos ao Pinto a tomar o derradeiro do dia tinto.
Nem nos fará sorrir o bondoso sapateiro das Rãs, velho Fabrício.
Isto de envelhecer, até por a prática, parece tornar-se ofício.

Volteio eu a sós – e não já muito, mudaram-se-me as volitivas.
Fico mais em esta casa a que por bondade me acolhem sem nojo.
Faço por pensar o menos possível em as voltas que não voltam.
A vida é em frente – dizem os positivos. Pois é – e a outra também.

597

    Gosto, sempre gostei, de rir-me a bom rir entre amigos que, como eu, apreciam uma piada pensada & dita com finura, temperada desse sal irónico que legitima o absurdo da condição-humana – gosto muito: mas há para aqui uns quarenta anos que me não acontece muito.
    Em 2015, aconteceu. Estava eu de visita a um certo casal quando uma quarta pessoa nos tirou, aos três, uma fotografia-de-pose. Na foto, fiquei tipo Menino-Jesus: entre marido & mulher, ou seja, entre um burro & uma vaca.
    (Naquele dia, a piada foi minha. E hoje volta a sê-lo.)

598

    Vis-a-vis-a-cara-o-rosto
    Oh que barba tão mal feita
    Atavio & bom-gosto
    Do homem que bem s’afeita.
    Já só uso o umbigo para dele sacar o cotão que se lhe incrusta. E o espelho, só para ralamente me barbear. Nem aquele nem este uso em literatura. Cada vez que escrevo eu/me/mim, é a outro que firo, perdão, confiro, perdão, refiro.

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Canzoada Assaltante