02/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 522 a 526

 

© DA.

522

Quarta-feira,
30 de Junho de 2021

    De volta ao território a que chamo meu. O pão & os livros cheiram por aqui a, digamos, heterónimos do meu corpo. (É desgracioso usar o vocábulo pessoano? Sim, se calhar, não sei, não quero saber – usado foi, mal não faz, bem não impõe.) Os dias últimos (24 a 29 do mês que hoje termina) ficam-me à guisa de país diverso. (Não escrevi estrangeiro, escrevi diverso – ainda sei algo do que faço.) Durante duas dessas cinco noites, vivi enredos oníricos de apurado grau de pureza, ou clarifalante quilate retórico. Ao avesso de meu costume, as personagens eram gente que conheço (muito, talvez de mais, decerto demasiado, sim) da vida acordada. Ajustei contas tanto em um como em o outro sonhos. Vingança nenhuma, violência nenhuma – tão-só alguma maldade (alheia) que apedrejei a pérolas: julgo não ter falhado um porco sequer. De ambas as natações escuras, despertei restaurado – e só não despertei feliz por ser emoção reservada a optimistas & a aposentados da previdência alemã. Mas adiante: este é o logradouro pelo qual posso disseminar dados relativos a um tal nomeado Nilo Benuel Manedito Pruniperro.

    (Cf. próximo 532.)

523

Restos ajaezados da luz de Coimbra
Vi eu hoje existindo à face matinal
Ainda é bom viver, um bem ainda
Existir em Cidade antiga & linda
Jóia singular da coroa-Portugal.

Cerca da Praça (digo: o Mercado)
Plena de graça, rósea, rociada
Seguia a Maria (d’ali ao Arnado,
a que trabalha no minimercado)
Jasmim & jardim, pura madrugada.

Sombra nem tinha, pomba que poisa
No alto do chão, a abençoada
Coisa rica, tão rica coisa
Que a mais bela é, pois a
Concorrência dela é pouca, é nada.

Seguia a Maria
Etc.

524

    Procedi a uma (aliás minuciosa) recolha de dados para elaboração de – e aqui está o galho – não sei se de uma prosa-poética, se de uma poesia-prosaica.
    Incerteza, pois:
    Sai-me nova a coisa
    Ou sai-me a coisa arcaica?
   
     (Cf. próximo 532.)

525

    Não digo todos – mas alguns de nós passamos pela vida como cães por vinh’abandonada. Uma metáfora pobrezita faz, do nascimento, amanhecer – e quando topamos, fez-se-nos tarde: e não tarda, é noite. Fuge, fuge, cão!

526

    “Vai devagar para chegares depressa” – era uma das máximas (direi mesmo: axiomas) do senhor meu Pai. Este dito cavalheiro era mestre absoluto da arte do dito próprio no momento apropriado. “Honra e proveito não cabem em saco estreito.” – adágio perfeito da hombridade desse homem bom que tão bem me fez, faz & sempre fará. Saber nadar, sei – mas bem maior do que a minha braçada é o peixe de quem sou, fui & sempre serei filho.

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Canzoada Assaltante