23/09/2020

VinteVinte - conclusão da entrada 59 com as subpartes IX a XI

IX

 

Um quadro de fundo azul ilumina a parede última.

Painéis acrílicos fingem-se cristal deposto na vertical.

Este milénio é tão comezinho quão os outros.

Coube-nos ele na rifa, extinto o não-saudoso outro.

Pirilampam a oriente casais & póvoas sem biblioteca.

 

Uma pincelada a verde demarca a zona-de-taciturnos.

Miradouro tristonho, o rimador mobila a noite a lápis.

Eduardo Norton Faia Norte, vidraceiro, morre aos 95.

Tânia Raquel Mirandela Silva, bastarda, nasce amanhã.

Gostaria de ouvir-te contar coisas antigas como novas.

 

Da fenda vaginal brotamos tortulhosamente.

Ninguém nos perguntou ou respondeu.

Parem-nos, dão-nos um nome a que chamamos eu

– e está tudo aleajactaest’ado. A poente,

luzicuam póvoas & casais sem livros nem gente.

 

X

 

Pastos, alminhas, capelas, campainhas;

abade, regedor, vinhateiro, migrante, chocalhos;

famílias, bênçãos, nesgas, fainas, sinos;

boeira, enxada, arada, veiga, violinos.

 

Seis da manhã já não é cedo, é hora boa.

Quase parou, de frio, o regatito.

Junho despede anúncios de santidade.

Engenhos movidos a bois esmagam o linho.

 

Linho, centeio veraneado, pedra com perfil de gente.

Sacha & rega o milho, apanha a batata.

Há-de o sol arrefecer antes que te desfeies, Maria.

Temporã fruta, sadias raparigas, duras espigas.

 

Poupa o pão, que ouro poupas.

Não gastes tudo em vinho & vistosas roupas.

São Miguel despede o Verão, faz a vindima.

És, Maria, o postal mais belo do Lima.

 

Verde o vinho novo, antiguece a lembrança.

Broa de São Martinho, castanha, doba-se o linho.

Bragais futuros hão que esperar invernos.

De luxemburgos & brasis nem correio.

 

Feição agrícola da terra ressurgente.

Alminha do pobre com fome de gente.

Prece ao presépio, mal não traz.

Cuida do estudo, que és bom rapaz.

 

XI

 

Pouco conversei com a senhoria que por meses tive em Lisboa. Era Rosa de seu nome, irmã de uma Lucinda que amiúde a visitava, trazendo-lhe doces & paninhos decorativos. Era senhora que pouco se movia, tal senhoria. De gordura nívea, lenta, bonita, apreciadora de conhaque amornado em balão de cristão, perdão, cristal. Recebia a renda em notas, não passava recibo nem queria complicações. Era viúva de um marinheiro galego, cuja pensão a não deixou mal. Arrendava três dos cinco quartos da casa. O meu era o da extrema do corredor, à esquerda de quem entra(va). Sem direito a visitas, mas com direito a duche diário, luz incluída. Era de 26 contos/mês, o arrendamento. Eu ganhava 64. Meses difìceizitos, esses tempos lisbonenses de 1995. Já tudo lá vai, duvido de que não haja murchado já tal Rosa. Lembrei-me hoje dela porque a toda a hora me ocorre algo &/ou alguém. Da Alameda, mudei-me depois para a zona das ruas de São José & Santa Marta. Estou em paz com esse já então ex-rapaz.


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Canzoada Assaltante