11/09/2020

VinteVinte - 47 (integral)


47.

 

PERTINENTE DIVISA A OUTRA LUZ

 

Coimbra, sexta-feira, 8 de Maio de 2020

 

 

    Luz encartonada lá fora. A II Guerra Mundial acabou na Europa faz hoje 75 anos, mais 19 do que este V.º infiel servidor. Essa foi outra luz mas não foram boas as décadas que se lhe seguiram, foram o que foram, foram-se. É muito provavelmente de 1967 a minha primeira recordação, mas dúplice: ignoro de facto se primeiro descobri algo que me pareceu precioso no quintal, se aquele funeral na terra de meu Pai é que foi a primeira percepção lúcida que se organizou entre o mim & o mundo. Já contei isto a uma senhora que é técnica das coisas mentais, considerou ela ser relevante que se geminem na minha memória um achado precioso com um saimento fúnebre: alegria pessoal versus corso necrológico. Descobrir & morrer – parece-me pertinente divisa.


    O resto tem sido turismo. (Por resto, digo o meio-século + a meia-dúzia de anos que há pouco, às oito da manhã, perfiz de nascido.) Turismo duplo: interior como exterior. Exterior, Coimbra & arredores planetários dela; interior, a memória, que, quando & onde se sente falaz, faz verso.


    [Por serem proibidos ajuntamentos, este ano a Praça 8 de Maio não se enche de povo coimbrão para comemorar o meu aniversário-natalício. Paciência, fico em casa – enquanto tenho (ou me dão) uma.]


    Mulher de forte claridade surge em música
    na ideia que me visita estando eu abstraído.
    É madura dama de boa planta física
    & utente de vestido verde, daquele verde-lodo.

    É mortiça a jornada, não ando aos pulos
    pelos montes silvestres d’antigamente.
    Trouxe a passagem centímetros & mais uns quilos
    & melancolia em mirante ao horizonte.


    O sopé deste planalto é, felizmente, bem arborizado. É verdade que a pequena mata sangra uma via a meio – mas é uma estradita secundaríssima, não aflige. Gosto de ir à marquise mirar a vegetação. O Gato também gosta. Trepa-me às cavalitas – e ali estacamos especados, ele com muita atenção às aves: milhafres que volteiam altos lendo o chão, pombas em esquadrilha-ordenada evitando os alados rapaces, andorinhas que lembram aspas à procura de palavra, pardais bonitos como olhos de raparigas de quando eu era rapaz & ainda pensava nelas.

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Canzoada Assaltante