23/09/2020

VinteVinte - 57 (integral)


 © Gary Hume – ‘Begging for It’



57.

 

COMPAGIN’AFEIÇÃO

 

Coimbra, domingo, 17 de Maio de 2020

 

I

 

Tendo vivido um passado afectivo, efectivo é que o quero presente na minha vida. Refaço o que se rarefaz. A literatura é veicular nesse propósito. Penso estar a ser claro neste ponto. À medida que, escrevendo mais & mais, aprendo de facto a dizer deveras, o pretérito gemina-se ao futuro – não por artes & manhas mágicas mas porque assim funciona o cérebro humano. Não é invenção, nem verdade, nem mentira, nem ilusão – minhas. Ser humano implica corpo funcional: e a mioleira gere como pode & sabe o aparato.

Disse acima: afectivo. Disse bem. Afeição. Fui gerado, criado, mantido por ela, com ela, em ela. Não é possível tirarem-me isso. Repassando-a ao presente – sob, por exemplo, a forma de verso –, revivo-a em pura gratidão. Linha-pós-linha, página-sobre-página, caderno-a-caderno, livro-por-livro, enciclopedia-se-me uma sabença íntima, muito íntima – mas ainda compaginável, perdão, compartilhável.

Em redacção, acedo a horas a que chamo minhas – em consciência porém de elas, por ubíquas, escreverem outros mundos. Isto é desde & para sempre comigo – enquanto for corpo. Porque extra-corpo não há pessoa. De Deus, já falámos, que diabo!

 

II

 

E então outras horas se esfumaram,

luz que foram à sombra de si mesmas.

A noite nova inova de si a translação,

a mecânica do idioma articula-a ’inda.

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Canzoada Assaltante