16/04/2021

PARNADA IDEMUNO - 249 a 257

© DA.


249

Quinta-feira,
15 de Abril de 2021

    Leio:

    “(,,,) é por um direito absoluto do poeta a mentir que textos seus acabam sendo uma imprevisível verdade inacreditável, a infinda verdade em contínua alteração de um falsário (…)”

    E:

    “(…) o passado tem sempre uma vocação fabular (…)”

    E ainda:

    “(…) o realismo e a deturpação, a montagem e o delírio, isto é, a poesia.”

    São incisivas palavras do Joaquim Manuel Magalhães prefaciador de Crónica (Círculo de Poesia, Moraes Editores, Lisboa 1977), de João Miguel Fernandes Jorge. Cito-as por achar que acertam em pleno: não só no belíssimo livro de JMFJ mas também no dizer-poeticamente-da-poesia-alheia. (O dito prefácio intitula-se Arte de Memória, pp.11-17, op. cit.)

250

    A mágoa invencível é não poder partilhar (isto é: comungar, pela etimologia) a luz que a tarde vai hoje sendo através-Coimbra, deles & minha pátria. Com quem? Com os meus Amados Mortos: dois Irmãos, um Pai & uma Mãe.
    Tenho de assobiar para o lado, cuspinhar para outro, fazer-me de distraído, absorto – e vivo, não ’inda morto. É o que faço.
    É o que faço.
    Sirvo-me café,
    sirvo-me bagaço.
    Luz nublando-se
    sobre quem é jacente
    gente na Conchada.
    Duas datas, um nome:
    2+1 = nada.

251

    Uma vez por semana, canto & toco a um Irmão que tenho vivo & por alheia remunerada gente cuidado. Tenho meia-hora, não mais, para concertar & consertar-me. Pouco sendo, mais é que nada embora. Nada alfim seremos ambos – como tudo & como todos.

252

Infeliz de si há-de a Morte ser:
por afinal imortal,
por isso de infância interdita.

Condenada pois a jesuscitar:
de três em três dias – e sem amêndoas,
com cordeiros degolados só.

253

Fazersatisfazer:
em palavra-velha, verbo-novo.

254

À estética desses anos
(quase cem volvidos, agora)
devemos Groucho Marx & Fernando Pessoa,
Buster Keaton & Ribeirinho.
Antes de o cabo austríaco,
Berlin explode champanhe-de-putas,
a pedomania exulta, velhas dão-se de cono por
cinco maravedis
ou um cálice de anis.
E mesmo assim houve quem fosse feliz.

255

    “(…) conheço bem, fui lá almoçar c’a mulher (…)”

isto disse um cavalheiro em terraço explanando-se esplanado ao tíbiodúbio sol
do entardefenecenoitecer de hoje-quinta-feira-quinzedabril-do-parnada-idemuno

a mulher é ainda algo que se acarreta ao ir-se (& ao vir-se) almoçando fora

digo:

a mulher do dito cavalheiro

q’a nossa é sempre diversa
filha da neve
mãe do nosso gato

por um rato.

256

Nada se obste à flor que outra sombra prefere à luz de todos comum
(ou vulgar)

Fenecerá ela como todas, um número em mármore
ou um chip no telemóvel ou um click no site do crematório
será/serão
quanto dela perfumar há-de o nariz-nenhum da colectividade.

Talvez em (p)rosa isto mais bem resulte:

    Saí eram já dadas bem as dezassete, tinha, mantinha & comigo levava duas inscrições a tostões no eldoradeuromilhões. Fui ver, a neve caía – nem Augusto Gil, nem dois & ½ tornados mil. Aceitei os não-números. Esplanadei-me em correcto quadrilátero que dá de si certo estabelecimento em meu emprestado bairro há muitos anos sito. Sobra-me o escrever-por-escreviver – desde que bem, condição mínima.
    J. & J. amancebaram-se, homens porém sendo. Diz que desde a Antiguidade mais livresca assim etc. Passa-se que escrevem ambos mais do que muito bem. Leio-os a ambos há uma multiquilogramática carrada de décadas.
    A putanheirice-brasuca também rompe livre por estas esplanadas. Sempre em advers’oposto passeio, passa sem passear o chinês-mealheiroador. O esgrunho-de-serviço confunde o Salgueiro Maia com o 50 Cent. Tudo bem. E o branco-velho era do senhor Joaquim Roque o cálice-eleito.
    Saí eram já dadas bem as horas-de-sair: do professoredo, do jornaleirismo, da ignorância-voluntária, do carneirismo (mais sá ou menos sá), do estalinismo-franquismo, do santacombadismo & do smartphonismo.
    Esplanadei-me tomando de íntegra o livro Crónica de João Miguel Fernandes Jorge. Foi escrito & publicado era vivo ainda (hélas!, por um ano só, talvez menos) o senhor Poeta Ruy Belo. É a partilha-possível. Fernão Lopes, os senhores Pedro(s), da guerra que moveu Castela/Leão/Aragão/galés-de-Portugal etc.
    Ou o 25 de Abril/74. Ou o 28 de Maio/26.
    Nada à flor seja obstáculo, que para o céu cresce,
    os pés em terra embora.

257

    A Bondade é menos contagiosa do que sua gémea Mal.



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Canzoada Assaltante