26/10/2020

VinteVinte - 89 (crestomatia só)




89.

 

TRÊS DE SETE, UMA DE QUATRO

 

Coimbra, domingo, 28 de Junho de 2020

 

I

 

(...)

 

Por tenteadas tacteantes tentativas, sabes?

Por aproximações ao jacente mistério claro.

Por um rosto mais único do que só raro.

Por anáfora cardíaca, sílabas por aéreas naves.

 

(...)


 

II

 

(...)

 

Horas afinal boas sobem açúcar frutado.

Rasurados os queixos da barba encanecida.

Fundos haustos d’ar fresco ao poço inspirado.

E a vida a fazer-se de gaja acontecida.

 

Antigamente, espanhóis vinham à Figueira.

Cervejavam-se os homens em tranquilidade.

Aquilo era então mais vila que cidade.

O Verão era eterno & a hora, ronceira.

 

O poeta decente alinha justaposições.

É dele usufruto de instantes cinzeiros.

Um metro & sessenta, pequenino-camões.

Avinhada fortuna dos melhores taberneiros.

 

Na cozinha, o volume colige, do pobre Vicente,

as cartas que deu & mandou ao irmão,

triste Teodoro, dramática gente

de ingente obra, diferente condição.

 

III

 

Cósmica & cómica condição, a nossa humana.

Chafurdamos religiões, macaquinhos-amestrados.

Algumas moedas para o fim-de-semana.

Há bêbados novos nas casas-de-fados.

 

Modas & tendências são caca de rebanho.

Acéfalos vão mudos à global tosquia.

há muito ranhoso portador de ranho

& muita tinhosa viscosa d’enguia.

 

Revejo em ganho minhas próprias perdas.

(Eu já me ri hoje de certa lembrança.)

Conheci muita puta – do tipo que dança

sobre expectorações de babas & merdas.

 

Agora o meu inimigo é & chama-se Verão.

Odei’abomino a caloraça impiedosa.

Estiolam até as pedras de maneira horrorosa.

E às vezes soluça-se-me a vapor o coração.

 

Não é que se me tenha exaurido a pertença.

À Cidade, digo, exaurido a pertença à Cidade.

No que se cala & se diz & se sente & se pensa

– aí a Cidade é, nunca desprovida de majestade.

 

(...)


  

IV

 

Acabei por não sair hoje a reiterar o mundo afora.

Fui antes a 1875, de Paris a Londres, lendo.

O desjejum foi café-com-leite, que agora

me devolve a infância de infante instruendo.

 

Deixei as horas à solta como vacas em prado.

Não forcei a escrita, até cozinhei.

Dei alimento às aves, pois está claro que dei.

E elas pipilaram: Senhor, pi-pi-obrigado!

 

Olhei então o extenso Bolão sem multidão.

Uma estradita de terra liga arvoredos.

Para eu lá passar, falta-me um cão.

As coisas mais belas são os meus brinquedos.

 

Lembrei-me de horas em décadas tamanhas.

Recordei vizinhanças há muito sepultadas.

Eu só ando às aves, não já às aranhas.

Ser velho é ver ouro nos pequenos-nadas. 


 

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Canzoada Assaltante