28/09/2023

H. BUSCA DELFIM - 158 a 161

Foto: © DA.

158

 

De manhã, pensei alguma coisa, mas não exagerei.

Fiz sesta de duas horas, ó-despois.

Embalo-me para a noite, que servirei.

As vacas são as vacas, os bois são só bois.

 

Pensei alguma coisa, Delfim, mormente no que desconheço.

É muito o que desconheço, mas não muito o que pensei.

Já menos vacilo, menos hesito, vá, estremeço.

Embalo-me para a noite, toda ela servirei.

 

Vi hoje Sttau, há muito morto, em programa televisivo.

Gostei de vê-lo, enxuto na mesma, homem de clareza.

Li obras dele, lia-as naquele tempo redivivo

das primas-leituras, que bem me fizeram com certeza.

 

Recordei, de Aquilino, A Pele do Tambor.

Recordei, de Régio, os tantos crucifixos & o Cântico Negro.

De Branquinho, O Barão.

De Namora, Resposta a Matilde.

De Vergílio, Aparição.

De Agustina, A Sibila.

De Eunice, a recente morte.

Não passei mal, ’té aqui, a jornada (fornada).

 

Fulano, que vive ali em um quarto da Pensão Lacrosse,

parece-me adoentado com alguma gravidade.

É (sempre foi) de carão severo, d’exagerada severidade.

À janela do quarto, pelas sete matinais, mui Fulano tosse!

 

Fulano chama-se Tita Cajó Roderico Erminde.

Nunca nos falámos ou jogámos ao berlinde.

Foi casado com Tilde Riacho Palla Wenceslau.

Nunca mais houve mulher: não sei s’isso é bom, não sei s’isso é mau.

 

Hoje, a fornada inclemente voltou a atacar.

Mantive-me à sombra o mais quanto pude.

Tanto grau não pode fazer bem à saúde.

Sinto-me fermento sempre a destilar.

 

Na Pensão Lacrosse (cujo bufete frequento),

há bifes-de-sola & empadão-de-cimento.

Porém, é gentil o casal velhinho

que me serve a azeitona & me regala o vinho.

 

Estiveram em França, região de Toulouse.

(A de Claude Nougaro, da célebre Ville-Rose.)

Ele é Nicolau – e que ninguém ouse

chamar-lhe “ó Breyner”, que ninguém abuse.

 

Ela é Dona Carme, qual composição de Catulo.

Carme Dorca Estendal Sá, ao V.º serviço.

Já vai nos setentas (dos vintes, foi um pulo).

É oriunda da Ega, filha de cavalariço.

 

Quase las-siete-de-la-tarde, nestes entretantos.

(À meia-noite pego, saio às oito, dia ganho.

Só até meado Setembro tal ofício esgalho.

Segue-se-lh’ a incerteza, sem risos nem prantos.)

 

A porra do Sol é de grande ferócia.

Quem me dera à sombra de frondosa acácia.

A minha vida é tristonha, tristonha facécia.

Dev’ria ter ido a talhante – ou então a polícia.

 

(Ou a urso-de-pelúcia.)


 

159

 

A infância desconhece-se sozinha no mundo.

A velhice, não – a velhice reconhece-se.

Está errado o infante porque se desconhece?

É seguro o velhote que se reconhece?


 

160

 

Ainda afinal alguma alma?

Beberei eu ainda da doce água?

Terei eu profanado de ’Nando o habitat?

(Mas como o faria, se há tanto ele o não há?)

 

Ferrabrás Bravateador,

que a pele te arda em apuros de dor!

Tua cifose, ó giba-marreca-corcunda,

te seja maldita & má & imunda!


 

 161

 

(Apercebo-me, mais & mais, cada vez mais, como se até jamais, da minha desimportância mesma – desde que à de todos idêntica, até por id-ente-idade.)

 

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Canzoada Assaltante