24/03/2010

De Perth ao Longe (2)

© Sandra Bernardo, Mercado de Pombal, manhã de 8 de Março de 2010








Pombal, manhã de 22 de Março de 2010
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Arde em Queluz um quinto-andar, longe (tão longe) dos australianos burgos de Perth e Geraldton. Um clínico explica a Síndroma de Asperger. Já ninguém se lembra do Natal, o carnaval cristão de ir ao circo. Vim à cidade preencher papéis, toda a vida até agora não tenho feito outra coisa. A Primavera começou no calendário, mas é magra a luz solar: ainda assim luz – e solar ainda assim. Três velhos pequenitos pinguinam um falatório de compra & venda de terrenos. No exterior do quiosque do mercado, livros de Sciascia, Calvino, Cortázar e Mário de Carvalho a cinco euros cada. Exposição rica de queijos secos em uma montra de esquina: bonitos produtos da sideral acção humana. Lembras-te de quando em Folhadosa, Serra da Estrela, estivemos em casa da queijeira e do pastor? Isso faz parte da nossa vida, agora e até ao fim dos tempos a viver(mos).
É vagarosa, a felicidade. São lentos, os desempregados. Acabo de conversar um pouco na rua com um deles: aquele olhar de cão à chuva dos desempregados casados e pais de filhos. Ainda estar vivo, porém, e agradecer isso a toda a gente e a ninguém. Talvez me seja ainda possível saber alguma coisa mais, tal que escrever continue possível.
Por agora, na manhã finalmente primaveril de facto, a felicidade lateja-me nas têmporas, a que o Povo chama fontes da cabeça. Folheio o caderno para trás, um rastilho de versos espera vez de ter voz, para quê não sei – nem para quem.
(Revisão daqueles três velhos pequenitos-periquitos crocitando terrenos em contos-de-réis dos antigos: na cabeça essa imagem portuguesa toda balcão inox, toda montra de queijos.)





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Canzoada Assaltante