19/01/2010

Aventura de Voltar a Portugal pela Porta dO Cedro Doirado

Souto, Casa, 19 de Janeiro de 2010



Qualquer viagem é para voltar aqui. A aventura é voltar. Ter ido é importante, mas a aventura é voltar aqui. O lugar de cá é sozinho, o lugar a que voltar é único. O lugar de cá é onde mora o nome, é onde tudo o que o nome é, mora.
Um restaurante chamado O Cedro Doirado, aos sábados à noite há serviço de organista para dançar, dançam matronas descasadas com longos finos cigarros de filtro branco e machos de pêlo preto na barriga, as traseiras do estabelecimento foram outrora horta, têm agora grades de refrigerantes, bidões deitados para os cães dormirem neles, farrapos de papel com bocados de caras, Elvis Presley, John Turturro, Diana Spencer na altura em que começou a meter os cornos ao principomem, Ray Coleman, Roger Daltrey na altura de Tommy e gente portuguesa também aos bocados, uma orelha da Simone de Oliveira, o nariz do Tony de Matos, um dente do António Calvário e meio botim do Salazar.
Portugal é a viagem com coisas sobretudo em inglês pelo meio, Portugal é aonde sempre se volta. Antigamente, havia-se e ouvia-se por cá música italiana e francesa, espanhola não, só os pasodobles das touradas, era por causa daquilo do hóquei-em-patins, agora é tudo em inglês, mas pronto.
Aqui regressamos, a este soalho sentinelado pelas gatas, onde os livros esperam e sabem, os copos de vidro com velas, a subida do correio em papel à concha das mãos, os relicários pequenitos da vida quotidiana, a pretensa exposição ao sol interior bronzeando de prata a derme da alma, no restaurante O Cedro Doirado dança-se ao longo das alargadas ceias sabatinas.
No restaurante O Cedro Doirado dança-se ao longo das alargadas ceias sabatinas, matronas e machos, tudo gente boa, tudo gente portuguesa fatigada de vigas de cimento a semana toda, de caixa d’hiper a semana toda, ici on danse, o organista sabe músicas da Rita Pavone e do Gianni Morandi e do Adamo e do Art Sullivan que por acaso até é belga e faz este ano 60 primaveras como muita gente boa qu’ici danse à força toda.
Uma destas noites de um sábado destes, um dos homens trouxe rosas brancas e deu-as a uma das mulheres, houve palmas em volta, foram eles os primeiros a dançar dessa vez, ficaram a ser conhecidos pelos nomes, ela Madalena, ele senhor Fernandes, foi giro, essa vez nO Cedro Doirado.

1 comentário:

matilde disse...

Acho que ia gostar de conhecer esse cedro doirado. Bem à portuguesa não há decadência, apenas uma certa ternura.
Isabel Cruz

Canzoada Assaltante