02/01/2010

UM GAJO SOZINHO EM CAFÉS DE PROVÍNCIA - II


© Edward Hopper – Nighthawks (1942)



II

Pombal, Gelataria 2000, 26 de Outubro de 2009







O gás da melancolia pega-se ao corpo, envolve-o do cheiro da madeira velha molhada. Isto acontece enquanto tudo o resto acontece. As crianças são rosas totalmente biológicas – e o gás da melancolia pega-se ao corpo, envolve-o do cheiro da madeira velha quando molhada. A beleza acontece ser sempre extrema; a vida, um pouco menos. As pessoas parecidas com periquitos sentimentais e sem grandes leituras. O abastecimento de víveres, vitualhas. O pequeno comércio da vida pequenina. Ali a farmácia agrícola, ali o Gabriel das Lâmpadas, ali o senhor polícia tão idêntico a um pombo municipal. Esquecia-se ele de dizer:


O destino estelar das mãos.



O destino de estrela de cada mão – diria ele, num café de província, uma manhã de segunda-feira. Ele conhece casais felizes, um dos quais infeliz, casados para toda a vida contra o resto do mundo. Quando chove, quando uma pessoa está sentada em um café de província. Também: quando o que cresce em uma pessoa é um cancro ou uma ideia – ou uma palavra como


MIOSÓTIS



, que é completamente música portuguesa. Ele está sentado em um café de província, uma manhã muito nublada e completamente de segunda-feira. Ele sabe que a vida equivale a Portugal, o que o torna por vezes capcioso, dogmático, infalível e melancólico e madeira velha. As coisas sempre a acontecer todas, um pombo beijando o pão do chão com o duro bico, um senhor decerto Anacleto de camisa comprada aos chineses, a mãe-de-família de blusa castanha e saco dourado do ouro da recordação.

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Canzoada Assaltante