08/03/2022

REGISTOS CIVIS - 92



Vigília - 92

                      

 

    Ontem, M. voltou a contar-me passos mentais que deu, há muitos anos, no sentido da auto-superação. Referia-se M. a equívocos emocionais que lhe causaram não pouca lástima. Agradou-me o que me contou – e o como mo contou. Agrada-me escutar: até de olhos cerrados pelas pálpebras em vigília. Mas isto foi ontem. Hoje, é a sós que afronto a jornada. Nem estou pronto nem não-estou: respiro, digiro. Não esperam de mim papéis, não me sobra promessa alguma por cumprir – ou palavra, por honra, empenhada.

Não me vereis diferindo da norma biológica.
Quão mais cível, menos penal.
Em processo, a atenção possível suporta os dias.
O suporte físico não nos deixa virtualidade qualquer.

    Soube, em relação a A.C.D., que foi de enorme (ingente mesmo) dignidade quanto ao seu primeiro (& penúltimo) matrimónio. Conhecendo já embora aquela que, por amor vero, viria a ser sua segunda (& última) esposa, nada fez que desonrasse a moribunda. Esperou, tratando-a com os melhores recursos de que dispunha – e poucos estes não eram. É uma história exemplar & edificante.

Cri muito pouco, ou nada, em coisas comummente impensadas.
Julgo que sempre descri, agora que algumas contas faço.
Pergunto: Nomeio eu fantasmas por medo de que (r-)existam?
Respondo: Umas vezes, talvez; outras, por outra coisa talvez.

    Em S. Martinho do Bispo, certa meã manhã, conversei com Albano Travassos Vasques Vicente & com José Maria de Deus Cristomem. Tomámos vermute os três, saudámos ausentes, por defunção, do nosso tempo desportivo. Mais nada. Ou mais nada de relevante de que ora – ou para sempre – me lembre.

Há mais que dar a ler aos olhos próprios & mesmos.
Da renúncia à rejeição, depende o caminho das pernas.
Remanescem possibilidades de acontecimento(s).
Jóias engastadas no estojo pessoal, partilhável às vezes.

    Constituímo-nos assistentes de nossos processos mesmos. Arguimos barafusteiramente. Ou damos em doidinhos-mais-ou-menos-mansos. (Recorro ao pronome-plural sem modéstia nem majestade.)

E em acúmulo de horas não-contadas
Instantes de fúlgida coloração também se dão
Hauridas as palavras alinhavadas
Em face de um pedaço simples de cartão.

Verticilados filetes de ouro-azul em porcelana
Tomando chá sem pressa, eu, sob a figueira
Foi tal em um Outono de idade insana
De tão recém-nascida a vida, por brincadeira.

    Seges, caleches, tipóias, americanos, oitocentistas sonsos como aquele que chegou a ministro, sonso de não saber comportar-se em velórios, a nível cabeçal faltando-lhe em miolo o que lhe sobrava em corno, mais esta nótula de 27 de Julho de 2015 (segunda-feira): o céu uniformizou-se hoje de azul-marinho-da-Marinha, dieta régula (regime de regadores, perdão, regedores, a sensação de o Caso Casa Pia & o Caso BES serem geminados – pois que ambos nos paparam como se fôssemos meninos, mais esta nótula de 13 de Agosto de 2015 (quinta-feira): fermentar a fala, destilar a escrita, em relação a L.S. estoutra nota: lembro-me da sua arte como se da pessoa fosse que me lembrasse, esse mesmo L.S. cujos olhos envelheceram mais célere & mais definitivamente do que o olhar, olhos que já não debruavam, já não orlavam & já não auravam nem aquele atlântico infante nem aquela púbere mediterraneidade de outras eras, horas, heras.


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Canzoada Assaltante