22/11/2021

PARNADA IDEMUNO - 836 & 837

© Artur Pastor



836

Sexta-feira,
19 de Novembro de 2021

    Caraças, tenho estado & andado embrutecido: estado gripal tússico-cavernoso, algias de quebradura ósseo-muscular, geral indisposição essêncio-existencial. De resto, porém, tudo bem. Vou exercendo, parcamente embora, o meu ius imperii (ena!), o meu ius soli (ena!), o meu ius sanguinis (ena!).

837

Sábado,
20 de Novembro de 2021

    Continuo súbdito da miséria gripal, estrebuchando arrancos de vulcão seco, parecendo uma levada de lixo a minha condição respiratória, é o diabo. Atabafado de flanelas moles, resisto como posso & sei à anemia da vontade-de-viver. Naturalmente, ando a caldo galináceo, pêra cozida, chàzadas de ervas sem olor nem sabor, pastilhas de mentol. Nem a tabágica delícia me move ou comove. Ontem acabada, a semana útil foi difícil de utilizar. Espero um domingo de mais apurada convalescença, tal que a segunda-feira me permita fazer bem o que a fazer tenho. Dependem da minha persistência & da minha aplicação os cêntimos dos próximos meses. É pouco dinheiro para tanta hora – mas antes pouco do que népias.
    Leio devagar o meu Jules Romains, tendo em espera a segunda metade do meu Alain-Fournier. Revi dois documentários: um sobre H. Himmler, outro sobre M. Teixeira-Gomes. Calcei as meias grossas de lã, tenho o Gato ao colo. Os papagaios da televisão piam vir aí uma vaga de frio polar. Pensava eu que já nem havia disso.
    Não menos doentio do que a sua causa é o seguinte efeito da gripe: o egotismo reforçado, peremptório, autolamechas. Os defeitos do carácter & as gretas do feitio vêm borbulhar à tona da mente. É pantanosa, e muito, a autopiedade. Estou aqui feito & desfeito coitadinho-de-mim. Sudorífero a frio, de oleosa lentidão, pasmo para um tecto indiferente à minha prostração. O eu-corpo é tão-diverso do que era & foi na tropa, c’um carago! É em presente tristura que recordo a euforia daqueles duches gelados na carne verde, fibrosa, espontânea & disponível de alvores da vintena d’anos. Sim, aquelas marchas sobre gelo & través lamas, matos, paradas & tapadas. Aquela voracidade até por comida medíocre, ainda o pendor alcoólatra me não botava carroça-fora da senda vital.
    Enfim, noite que antecede o dia dominical. Do mundo exterior, apenas o bafio de coisas revèlhas. O género humano compraz-se em sua consueta idiotia mesma. A Austrália não difere muito da, digamos, Albânia; nem a Islândia da, vá, Bielorrússia – e por aí. Nada que eu possa (ou queira; ou creia) resolver. Estou aqui budamente sentado em a minha própria vanidade de tamborete, não trono.


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Canzoada Assaltante