24/08/2012

Ideário de Coimbra - conclusão da entrada 33 - Coimbra, terça-feira, 6 de Julho de 2010


Vozes e olhos. Gargantas por onde sai a alma toda. Peles que vestem as árvores ósseas. Roupagens colorindo pessoas tão vivas. Basaltos duríssimos, certos olhares. Ânsias por ternura que não provirá nem está à venda. Seres de fluvial exílio e marítimo desterro. Erotismos eólicos. Graças recebidas. Remunerações gestuais. Enclaves demiúrgicos de grande teor simbólico. Cervejas sem álcool. Filigranas e hemistíquios. Berlim-Praça-de-Alexandre. Túneis de som óptico. Rosas, ventos e rosas-dos-ventos.

*

Vi, morta no chão, perto de lixo, uma andorinha. Mas antes houvera visto uma borboleta de um castanho ferroso quase chá. Viva. Ambas são, andor e borbo, inha e leta. Um cinquentão fumador de Português Suave Amarelo ao engate de uma rapariga negra de olhos límpidos e rotunda carnação. A um metro de mim. Dispenso a escuta do fraseado, opto pela penugem gabiru dele, a cintilação quase ingénua dos olhos dela. Ela, de trabalhosas tranças finas. Ele, grisalho já em bom adianto. Ebony and Ivory etc. Por dentro, somos a mesma terra – e a mesma lama.

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Horizonte mentalizado (fechando os olhos para ver): fumo de garças rareando o opúsculo crepuscular; mancha, esfumada também, de arvoredo a que sucedeu dunas, areias & o Mar; gente holandesa comendo arenques enquanto fala de museus e de casas-de-putas; Bolonha, Florença, Corleone, Aspromonte; nervuras vegetais que digitalizam radiografias de mãos; pulmões excrescendo sangues no Caramulo; & a Andorinha & a Borboleta.

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Vais viver muitos anos depois que vivi.
Em alguns aspectos, nem nascente ’inda.
Janelas debruadas a verde sem gente à janela:
é muitas vezes mais triste ficar do que passar.

Aos anos que as gaivotas devoram/demoram o Mar.
Decoram o Mar há que anos, as gaivotas.
E nós, finisseculares desde nascença, não goramos.
Um coração habitado por coelhos da Berlenga, imagina.

Maravilhosa marfínica dentição, a da rapariga
tão negra, negra a ponto de luminescer.
Como lhe é genuíno o ouro pechisbeque
da pulseira, fogo de metal ardendo carvão.

Forlán, o uruguaio de olhos azuis, fita o Céu.
Joachim, o alemão de cabelo negro, também.
Quem devolve a casa os heróis do dia e
Anne Frank? É quase matricídio, tanto amar.

Ressonâncias cavam fundações no coração
que bravuras são de geral fra(n)queza.
Maus casamentos por toda a parte, mas
bons filhos: ínvia é a Humanidade, mas transita.

E tirita – de gelo em pleno Estio, ante
mulheres que se adamascam de louro,
homens que se depilam, cafés que arrefecem
em sozinhas cozinhas. Ao néon, os cesários

possíveis verdejam o gás que podem. A mulher-
-da-erva existe: lenhifica-se, muito viúva,
por azinhagas que são mais do que só-Coimbra,
mas Portugal-todo. E eu funciono, eu estou vivo.

*


Sim, viver mais vais muito do que vivi.

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Canzoada Assaltante