30/12/2011

Rosário Breve nº 239 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 29 de Dezembro de 2011




(P(r)enso logo existo

A 3 de Maio de 1966, o jornal londrino Times fez uma coisa que em dois séculos nunca fizera: passou a incluir notícias na primeira página. Até então, o rosto de cada número era território exclusivo de anúncios e afins mensagens publicitárias. Tenho todas as razões e mais algumas para crer que tal efeméride é uma tristonha maneira de se sentirem tristes os armando-varas, os duarte-limas, os dias-loureiros, os penedos, os godinhos, os sucata-socratas, os soares-sucedâneos, os cruz-sucedâneos e os afins tristes do género.
Jornais com notícias são perigosos para todos os bivalves privados lapamente alapados à rocha do erário alheio, da pública moralidade e da “démócracia” sem sentinela nem siso, nem aviso nem sisa.
Tenha o leitor em conta, porém, que não advogo o “jornalismo” à la Felícia Cabrita / Estripador de Lisboa, nem o “intervencionismo” à la Moura Guedes, nem o “pisca-olhismo” à la Rodrigues dos Santos, nem o “prozac-ismo” à la Alberta Fernandes, nem “ismo” algum afim dessa comandita.
Sou mais pelo quê-quem-quando-onde-como-porquê nu & cru & puro & duro.
Gosto de notícias, não de “conteúdos”. Sou pela verdade, não pelas “sinergias”.
Antigamente, eu ganhava o pão de cada dia na imprensa regional. Reportava juntas e municípios, noticiava pequenos, médios e grandes roubos, bolçava éditos notariais e subidas de divisão dos cascalheiras futebol clube locais, ia às associações recreativas cronicar o teatro e sofrer os fados.
Devo ter chegado a ser famoso, já que alguns tiranos-sauros autárquicos ainda me apontam às netinhas como o homem-do-saco se elas não comerem a maizena toda. Deixei-me disso a tempo e horas. Hoje, sou um dos leitores matinal-cafeínos do correio do crime da manhã que se deliciam tanto com o hirto PGR como com, precisamente, os anúncios tão sugestivos como onomatopaicos das massagens brasileiras.
(No fundo, no fundo, a verdade é que suspiro, eu também, em ademanes de nostalgia, pela paz podre e pobre do 2 de Maio de 1966. Ou do 29 de Maio de 1926. Bons velhos “times” esses, em que a liberdade de imprensa não prejudicava quem não quer saber e tem raiva a quem pensa.)

2 comentários:

Mhelena disse...

Leitor do "Correio da manhã"??? um dia destes ainda vou suspirar pela "Crónica feminina, ai vou, vou!

Daniel Abrunheiro disse...

Eheheh, gostei dessa, Helena. Confesso: leio esse pasquim todos os dias. Vale-me que o grande João Nuno Pepino lá escreve.

Canzoada Assaltante