19/01/2011

Ideário de Coimbra - 143



143. EM BRANCO
Coimbra, quinta-feira, 6 de Janeiro de 2011

Quero hoje escrever um texto branco. A minha Coimbra foi sitiada pela chuva – e já anoiteceu (a seu dono). Fui cumprimentado pelo professor benfiquista. Uma moça ruça e russa (empregada em uma taberna próxima) debate-se com um guarda-chuva (também) branco. Quero hoje escrever uma (p)rosa amarela. Sou ora destes lados, vou morrer entre mulheres de botas altas a quem a estabilidade económica nunca pareceu doença. Enquanto houve luz na quinta-feira possível, assisti a árvores que subiam os frutos ao ar – tornam-me sempre quase feliz, capaz sempre de respirar pelos olhos. A gente enegrece já não tão devagar. E no entanto é textos brancos o que persegue. Xeque, califa, sultão, emir, grão-vizir. Rosa, gardénia, jacinto-de-água, lis, elixir. Ou um estádio de tempo puro.

*

Tento outro texto em branco.
Dispo-me e disponho-me.
Ponho-me na mulher imagina/da/ária.
Fico-em (fico-me) falta.

*

Outra vez: vá lá: em branco.
Sou destes sítios. Há laranjeiras em pátios, pessoas
que falam de futebol com a desenvoltura crisóstoma
dos loucos mansos.

*

Nunca duvides de que exerço como um príncipe a solidão que me cabe. Não como um pobre tolo, mas como um pobre. Um pobre príncipe, como um príncipe pobre. Vem de princeps, o que principia, a palavra. Como o que principia a palavra. Como um helicóptero do Instituto Nacional de Emergência Médica no céu da noite, um pássaro de ferro, creolina & gasolina transportando a aflição de alguéns. Ora, o contrário de alguéns é solidão: e aí exerce o príncipe, no céu da noite, essa etimologia de todos os princípios, todas as manhãs, todos os dias.


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Canzoada Assaltante