20/07/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 19 (integral) + 20 (fragmento)

© August Sander


Esplendor da sordidez dos domingos no deserto citadino. A mais degradada putaria – e, desta, os chulos mais infectos. Amargura intransigente de estar vivo. Os domingos consubstanciam & consagram o absurdo da vida do mais puro modo. Vielas avinagradas a mijo de gato, bêbados sem tecto, órfãos & deserdados a preto-e-branco. Salões da banha-da-cobra evangélica por muito lado. Heroína traficada em crioulo-hip-hop. Algum par de nórdicos perdido neste dédalo de cortiça-souvenir. É o exacto 28.º aniversário do passamento do Pai de Hermínio. O Tempo quieto nesse acontecimento. Um casal perguntando a Hermínio a direcção da Igreja de Santa Cruz. A vida em círculos. O pensamento, também. Histórias secas. Aridez dominical. Raros turistas. Uma necessidade premente: lixiviar a existência. Demasiado cáustico, o quotidiano às vezes poético. Como, ao menos por ilusão, derrotar o deserto?



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Persiste obstinadamente aquilo a que chamamos realidade.

Dei hoje, Delfim, passos no sentido de uma possível auto-concertação.

Digo: remediação material-laboral-remuneratória, que mal não viria.

Não sei. Sei muito pouco. Tenho relido a minha biblioteca encaixotada.

 

Está bonito o pré-entardenoitecer, a luz é gloriosa, não sufoca.

Falei com três pessoas: duas senhoras & um cavalheiro.

Alimentei um gato & cinco pombas, não me demorei na Baixa.

Tenho defronte a noite – digo: dela, a impiedade.


(Assim é, que ora te não minto, bom Joaquim, perdão, Delfim.)

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Canzoada Assaltante