19/07/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 17 & 18 (integrais)

© DA.



 

Janta a sós como templário desempregado de jerusaléns

Meia-litrada de vinho, frango carbonizado, broa-de-milho

Além não havendo, fica-se ele por aquéns

De que é presa sem resgate, de pai-órfão-filho.

 

É em churrasqueira à noite mais desertada

Arde a frio no televisor uma qualquer futebolada

Deveria ter mandado vir uma salada

Mas não mandou, papou a seco & à garfada.

 

Combinou ontem encontro com quem afinal faltou

Adormeceu já tardito, pensando no desencontro

Adormeceu considerando: Procurando, não encontro;

Desprocurando, desconheço quem me desachou.

 

Ao todo, quatro fregueses – amailo o jantante patrão.

Viu muito disto em Lisboa, quando lá era eremitão.

Lá vai. Tudo já lá vai, ó senhor meu (dele) Pai.

Dez euros. Paga. Agradece o serviço. E sai.

 

Uma vez na vida, Hermínio mente a Delfim:

 

Uma mulher cor-de-anis há que me deseja.

Veste-se de seda-púrpura & deseja-me.

Alongo ante ela meu corpo branco inviolado.

E a acção lactífera ocorre parte-a-parte.

 

Demasiado fora, longe de mais,

o mundo não nos adentra o tálamo.

Somos ali par-em-um como por milagre.

Mil lágrimas se nos seguirão, apartados.

 

Enquanto não, floresço de fungo ao de leve borrifado.

Leite ela mana de seus pedúnculos róseo-mamilares.

Conversamos quase nada, tudo nos dizendo.

Minto-me-te, Delfim, mas por pura púrpura o faço.

 

Essa mulher emanada do leite em canteiro róseo?

Ela reside-me em pulsão, de que a morte só me aliviará.

Em sua solidão palaciana (um segundo-andar) toma porto.

Fuma longo mentol, segura de seu reinado, calma sem mim.

 

Sonho-a em meu quarto de caridade-social.

Acordo-a às sete da matina, devemos separar-nos.

Ela labora em pública repartição – eu, não.

Eu penteio-me à pressa, coço-me, saio ursamente às ruas.

 

Não nos acudiu qualquer filho sob salgueiros concebido.

Nenhum porvir nos inscreve em lista que nos espere.

Mas é vero que nos desejamos & almejamos?

Se te minto, Delfim, então sim. Se não, então não.

 

A verdade é tê-la eu desertado há décadas sem anagrama.

Ominosa rosa me é ela tão-só agora, que tarde se fez.

Na noite de cada manhã, algum perfume dela voeja, sim.

Mas mais a sinto no quanto minto, sim, que ela não há.

 

Não há & não é. Algum homem a devora este ano.

Não marcha para nova, floresce todavia ainda em leite.

Não enverniza as unhas, não se enlameia de cremes franceses.

É a papoila de beira-ervado, a codorniz sem costas.

 

(Como te dizia, uma codorniz há que me voeja.) 


 

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Canzoada Assaltante