18/05/2022

REGISTOS CIVIS - 122 & 123

© DA.


Comboio – 122

 

Vou de comboio a Aveiro com o meu Pai.
Ninguém nos filma – tenho de versejar tal ocasião.
Rosas maduras como pêssegos idosos se nos dão a cheiro.
Tenho 18 anos; o senhor meu Pai, 65.
Estou hoje sozinho na ferrogare que foi nossa.
Não espero comboio mas tenho destino.



Vivido – 123



    Em circunstâncias diversas, não me seria impossível dar-te a saber coisas frescas: como as da Gréci’Antiga, que moça se mantém, a danada. Tal frescura de tais coisas, ouve-me, provém de aturada paciência no/do manejamento de cartapácios o mais gloriosos.
    Nem só grécias. Maugham (W.S.) & Buck (P.) dão-se-nos a todos os cheiros de uma glória colonial por aquelas ásias pacientes & temíveis. London (J.) abriu-nos as pistas de neve com seus homens canilupinos, por assim dizer. Calvino (I.) prescreve-nos a ciência-da-escrita. O argentino-nascido-em-Bruxelas-mas-afinal-parisiense (Cortázar, J., 1914-1984), igual a Italo Calvino em inteligência pura.

Enche-se de pó-de-ratos uma casa que não tenho
Esqueci-me do conforto burguesito-nascido
Ou uma taça-de-espumante ou chorarmos baba & ranho
Muita coisa sob o Sol nos tem já acontecido.

Areias-de-um-Egipto transmudadas, hieroglíficas?
Conheço-as – de canhenhos sem mais consulta.
O resto de atitude, por vã, por estulta,
não me propicia coisas magníficas.

Venho de berço-d’-ouro (por afecto).
Vou estragando a fortuna como posso.
Já nem família hei: meu não é nosso,
mas tal me não faz menos dilecto.

Certeza-de-morte? Todo o nascido
dela tem conta cert’assegurada.
A força & a beleza do vivido?
Valem tudo por pouco & por nada.

2 comentários:

agata franco disse...

Costumo lê-lo, volta e meia.
Hoje, as suas palavras sabiam a verão.
E ainda bem, porque está imenso calor😋


agata

Daniel Abrunheiro disse...

Muito grato, A.F.

Canzoada Assaltante