20/04/2020

VinteVinte - 19 (excertos)




19.

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MIRANDO QUEM MIRANDA

Coimbra, sábado, 29 de Fevereiro de 2020



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II. MIRANDO QUEM MIRANDA

In memoriam viva de
Luís Manuel Vide Miranda
(22 de Março de 1960 – 29 de Agosto de 2019)

Apresentei-me algodoado a negro de camisa
no funeral de Luís Manuel Vide Miranda.
Acabava Agosto, cuja ardente febre matiza
cada pobre-de-deus que por ’qui ’inda anda.

Hoje tomo cafés em bares sem Tony de Matos,
não é fácil lavar o corpo totalmente órfão.
Vi dois homens perdidos: mas era(m) ao espelho.
Hoje não sei amanhã, o meu nome é Ontem.

Ana Cristina & João Gil sobram da conta-feita.
Luís pertence ora a ser sombra em frase.
Quando se junta 'aa ‘a’, dá-se uma crase:
à crise dou o nome , o teu nome, velhíssimo Luís. 

O sol manchava de branco a minha ínfima negritude.
Sepultámo-lo em Águeda, a caixa mal cabia na pedra,
a dor da vida subia a ser o sol do dia,
vá-lá-com-deus-meu-pobrezinho-sol-&-saúde!

Não conheço a cal de giz de lua em que anda
a ossatura total de Luís Manuel Vide Miranda.
Nem a morte anunciada lhe descortino,
que a vida só dele me vale, velho menino.

Ele-Luís lava-se em ser Pai de João-por-Ana,
conheço dele sozinho frases que só à noite se dão.
Cancro-de-homens, certa genealogia o leva
à dissipação, ao Luís, à dissipação.

Fica-nos enfim a doçura da música bem ensinada.
O Luís vem do Zaire-Águeda-Coimbra-Louriçal.
Achego-me agora em verso a tal animal,
nós fomos (por tudo) quási-quási nada.

Onde hoje falo sou território do país da minha Filha,
mas é que sou vivo, e tu, nosso João Gil?
Tons são tão cores quão acordes, é uma ilha
cada ser provindo de razões zero até mil.

Resolvo o sol fraco da minha sexta-feira a sós,
não sei se há ensaio de cavaquinhos sem voz:
a de Luís Manuel Vide Miranda, o perseguidor
da dor que se bebe por puro pundonor.

A vida vai fazer-se sábado sem ti, Luís Manuel.
O mármore é gravado, é crematório.
Tu deste, professor, a abelhas mel.
O Viriato etc. & etc. o Sertório.

Juntas cifras digitais a cavaquinho,
bebes & vives & morres tão sozinho.
Na Associação, tua última agremiação,
és o Luís, o Maiúsculo, tua mesma perdição.

Luís Manuel Vide Miranda, eu leio o teu cancro,
deve ser tristíssimo deixar filho & mulher:
eu era para os cavaquinhos, mas quem me quer?,
dissemos no bagaço o nosso mais amplo

Sim. Eu falo com a minha Leonor. Sim, Zuca,
É bom. Uma vez, noite, na Associação,
tocámos para o Lucídio Évora Fernandes, o Tuca,
o mesmo bagaço que nós, ó coração.

Não é possível ir de camisa preta ao teu nascimento.
Sou grato à minha morte em Amigos adiada.
A tosse do opel-corsa faz gasóleo-de-momento.
Miranda-Luís, Abrunheiro-Daniel & nada.

Devagar vai João Gil a seus acordes,
a alegria de nascer?, nem a percebe.
O preto extremo-esquerdo tem o pé-leve,
tu incendeias, Amigo, tu já só ardes.

Iço a pedra em Águeda.
Não (se) calou a música.
Tenho-me homem difícil
Olha, tu diz alguma coisa daí.
Etc. 

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Canzoada Assaltante