15/08/2010

IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 58

58. SEMPRE DE FORA E PARA SEMPRE

Coimbra, domingo, 15 de Agosto de 2010


Corpos que são homens, corpos que são mulheres.
Muito leite em fúria às vezes gentil, mas fúria.
Queimados os homens, queimadas as mulheres
de leite negro, de coisas todas lunares



no equinócio das vidas, das economias emaranhadas,
dos corações expostos ao não brando churrasco
das idades. Eu agora também exponho: esta mão,
esta roupa encarnada sangrando à varanda.



Dias e dias sem uma luz de presença: sabes tu?
Casamentos como a evisceração de coelhos.
Viúvas que corvonizam as ruas brancas,
sinos que latem uivos de bronze, brancos também.



Eu latejo ante a senhoril procissão de fiambres.
Remedeio-me, enfim, estiolado todo embora.
E no meu corpo bate a água da mulher,
a que aceitou duas horas, uma cerveja, uma frase.



Roseiras púbicas, punidas, vergastadas.
Palavras como algas pelas areias, tantas.
Quietação de domingo num centro comercial,
nenhum pranto, muita tinta permanente.



Meto-me num autocarro sem rota certa,
miro de fora (sempre de fora e para sempre)
os quintais bem cuidados, as filhas dos outros,
as cervejarias onde anoitecer é para consumo da casa.



Eu vou, estou indo, sou o que nem sempre volta.
Corpos esguichados pelos interstícios das morgues
e das maternidades, soro, colostro, imundícies
consagradas pela moral dos padres.

Hordas comedoras de peixes & e de aves, baías
onde o azul é um lapso atlântico, veredas
que a sombra veste de panos frios, mães
tranquilas na antecâmara vestibular da morte.



Então: corpos que são homens, que são mulheres,
e aves & peixes e ventos soprados na boca
dos rios, entre distância e telefonema, e rito
e grito, e eu, agora, bem, a roupa que sangra.

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Canzoada Assaltante