17/08/2023

H. EM BUSCA DELFIM - 132 (mais onze estâncias esquecíveis) - Sábado, 16 de Julho de 2022





Em mesa próxima, diz “Estou velho” um velhote.
Vermuta-se o dito, tendo um amigo por companhia.
Estes lugares-comuns são p’ra mim outra alegria.
Gosto de ouvir a vulgar gente, de suas voltas a mote.

Posso (& vou) passar nisto & assim a manhãzinha.
Escrevendo, não sou (ou me sinto ) besta tão sozinha.
Faço mal a ninguém, faço o bem que me for possível.
(Mas não criei as Filhas, o que me volve inverosímil.)

Eis que chega Carlos Miguel Dovar Mercedes.
Traz cara de quem vem c’uma-daquelas-sedes…
Ei-lo empinando a boazona cervejola
& atirando impropérios aos clubes rivais da bola.

Conheço casos de gente que temia morrer.
Conheço casos de gente que queria morrer.
Toda ela viu cumpridos seu temor & sua querença.
Ah pois!, pois morrer é mais fácil do que se pensa.

Um pano de relvado verd’amarelece sob o viaduto.
Penso nas catedrais de Georges Duby, nem sequer sei porquê.
Nesses esparsos milenares homens ignotos de absoluto.
Ó senhora Mariazinha, não me trate por você.

Crescemos para a cova, cinzas ao vento, ó Guilherme.
Ou nos espera o crematório ou o subterrâneo verme.
Um berço é bonito ataúde, azulíneo ou cor-de-rosa.
Cada Filha minha em bebé, cada coisa maravilhosa.

Perdoarás decerto, bom Delfim meu, meu prosaísmo.
Estou concatenado ao Cesário, esse ídolo franganito.
E inimitável. E inemulável. E amável. E aflito.
Padeço, bom Delfim, do mais lamentável cesarioverdismo.

Era por uma noite cálida de Julho, estávamos na eira.
O senhor Pai falava do Pai dele, extinto muito novo.
A lembrança mente alegrias como a galinha bota ovo.
Eu era ainda petiz – e feliz, não andava na bebedeira.

Também Mercedes se chamava a taberneira surda & gentil.
A taberna era ali-Lisboa, perto da antiga sede dos leões.
Era 1995, eu ia lá co’ meu Cesário & o meu Camões.
A freguesia-maioria era de cegos-pedintes, p’r’aí uns mil.

Os cegos sabiam de cor todos os onzes Sporting-Benfica.
Sim, todos – e desde os anos 30/XX mais troca-o-passo.
A mor parte bebia vinho – eu já bebia mui bagaço.
Também sabiam de ciclismo, numismática & luvaria-de-pelica.

(Estou só qual oásis desertado em tórridas areias.
Só tenho isto: este caderno, esta surda manusgritaria.
Não hei mulher que gilvicentinamente me leve em cavalaria.
Tenho sido antes asno, voraz de forragens & de aveias.)







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Canzoada Assaltante