22/07/2010

Rosário Breve nº 164 - www.oribatejo.pt

Roda


Quando a roda da fortuna se cansa de ser parva e me abona umas quantas moedas, venho a esta casa-de-pasto enfardar uma refeição quente. É sítio humilde e limpo, permitindo-me o exercício de uma solidão não desprovida de majestade. Não é exagerada, a palavra “majestade”, posto que, em torno e derredor, pelas dez mesas e vinte cadeiras, a minha companhia é principesca: tudo trabalhadores manuais, homens todos, gente poderosa da vida real, pessoas sem metáforas e sem ilusões e com moedas.
A um canto alto, arde frio o televisor. Toalhas de papel municiam e admitem a inscrição de rascunhos de crónicas tão ribatejanas no particular quão portuguesas no geral. Bocados de pão, gomos de batata cozida, medalhas de pescada frita, hemorragias de sarrabulho, salsichas moles como glandes envelhemurchescidas, pratos de sopa olhados por uma retina de azeite, almotolias avinagradas como o mau-humor e a descrença na Fé.
Hoje, por ter moedas, aqui estou. Espero um Amigo de há trinta e cinco anos. E ele há-de vir como a fortuna, a qual, rode o que rodar, me não proibirá nunca nem a majestosa solidão, nem a graça tão virtuosa de comer bacalhau rodeado de príncipes.

2 comentários:

Manuel da Mata disse...

Bela crónica.
Não tenho dito nada, por razões ponderosas. As minhas. Abraço solidário.

Daniel Abrunheiro disse...

Merci, mon Ami Manel.

Canzoada Assaltante