04/06/2010

Nomes ao Menos Moscas

Souto, 26 de Abril de 2010


What's in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet

WILLIAM SHAKESPEARE

Só é de temer o que não tem nome ou o não confirmou.

ERICH MARIA REMARQUE, O Obelisco Preto



Que me fazem em casa esta manhã os nomes de dois alemães mortos há tantos anos, Kapp e Bauer, dos idos de Março de 1920? Durante a madrugada, vieram ambos conspirar golpe e contragolpe de Estado. Pouco importa que sejam agora só tinta em papel: vieram e ficaram.
Ora, a minha vida não é a Alemanha. Para já, é esperar que o empreiteiro Falcão me telefone a confirmar que o último dos quatro pinhais da minha herança foi vendido a preço razoável e minimamente vantajoso para uma vida que não é a Alemanha. Se não concretizar a venda da madeira, terei sem dúvida de voltar à construção civil como segundo oficial de pintura ou, pior, como servente de cofragem. Em tal caso, voltarei a suspirar por essas paradoxais aves migratórias chamadas Gauguin e Brel, que demandaram no quente Sul o inverno terminal das suas vidas. Enquanto nem uma coisa nem outra (o pinhal, as obras), escuto da marquise os berros dos animais que o meu vizinho magarefe prende nos currais das traseiras. Cabritos, cordeiros, porcos, galos: nenhum deles espera a morte; pelo contrário, berram para que os soltem. Querem viver e querem fazê-lo em liberdade. Todavia, é a morte que os espera, serão depois peças limpas e penduradas no talho do meu vizinho, que é bom homem e sustenta a família e não se mete na aguardente como tantos outros desta aldeia de beira-estrada. Disse Kapp e Bauer como poderia ter dito o polaco Pilsudski e o russo Kerensky – dá o mesmo.
A manhã, por fresca, fosca e indiferente, floresce da euforia dos pássaros. Parecem-me voar mais depressa e mais cantores. Mas depois, a tarde assume baforadas de forno – e eles acalmam-se um bocado. Atiro fragmentos de pão endurecido para o tejadilho da varanda, onde poderão colhê-lo fora da atenção e do alcance dos gatos de casa e da vizinhança. O telefone continua mudo. As moscas retornaram da hibernação, que este ano foi longa. Voltaram em força, insuportáveis como sempre.

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Canzoada Assaltante