02/09/2008

Cai, Sai, Vai

Viseu, entardenoitecer de 23 de Abril de 2008



Cai o dia, caem com ele as suaves palavras cansadas.
Ao perfil das igrejas assomam declinantes aves negras.
Um dia foi a morte, um dia será ela de novo, nada nos
contará nem importará, quando for, quando foi.
Subiu um pouco a temperatura, desceu a chuva um pouco.
Tenho um rosto para esconder no sono, para revelar na fala.
Não é importante, importam nada e nada contam os rostos.
Cai o dia.

Sai a noite a tomar dela as praças.
Sinto um rio correr: talvez o meu sangue.
Talvez o meu tempo caindo no chão como cartas
recebidas – ou de jogar – ou geográficas.
Crepusculam as aves derradeirando o dia.
São bonitas e inúteis, elas aves, como os nossos olhos.
Não é importante já a beleza, anoitece.
Cai a noite.

Vai a manhã, nem todos a reverão nem virão.
Ainda hoje o meu vizinho, o senhor Monteiro.
Estava a dar de comer à gata, vi pela janela a carreta.
A manhã roxa, a manhã corpo-presente, as velas.
Oitenta e sete anos, tudo pago. Era um senhor
nas minhas escadas, pedia desculpa por atrapalhar
o tráfego, a vida dos outros: como os poetas.
Vai a manhã.

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Canzoada Assaltante