13/05/2008

SINAIS DE VOZ e AFINS MARIQUICES





(Que a outras pessoas dirá a voz que a nós
nos diz tão humanos sermos imprestavelmente?
Dirá a outros que a vida é excessiva
como nos diz a nós tal voz de gente?

Viseu, Café O Bárbaro (tarde de 11 de Maio de 2008, I a IV),
Restaurante Colmeia (noite de 11, V),
Café Avenida ( tarde de 12, VI),
Café Paris (id., VII a XII)
e
Café Mundial (manhã de 13, XIII, em 13 estrofes e um versículo final).
A imagem é de 13 de Abril de 2008, na mesma cidade.



I

Chegam-me sinais
(não serão os primeiros que recebo
mas os primeiros que percebo)
parecidos com os das chegadas & partidas
de toda a gare
em que partir é mais que chegar.
Não é o fim
pois que enfim
enquanto percebo não pereço.
Pareço apenas um gajo mais que prepara a partida
ao sinal de sinais chegados da própria vida.

A que horas é que desconheço.
Dirão talvez depois que parti
às oito da manhã. A essa hora nasci.
Mas enquanto percebo não pereço.

Também por mera técnica de fado
versejo em sinal de um dia ter chegado.

II

A tristeza é uma ferramenta operatória importante
para o usufruto da arquitectura in-gente:
a dos cafés de domingo anoitecendo a nascente
do ente que é doente de poente adiante.

Tenho mãos que emolduram chávenas frias.
Aos meus olhos pertenço que falam.
Gostaria de ter comércios, sei lá, ganadarias
em feiras ganadeiras que se não ralam,

sei lá, com versos e afins mariquices
da trist’operatória fauna versilibrista.
Eu sempre quis, triste, ser artista:
e fui e sou – mas sem americanices,

modos que estou lixado, não vou lá assim
sem coimbrices. Jeito dava era cagar códigos dàvinxes
e lapaus coelhos merdum-merdim.
A mim não m’importa, burro, que relinches

mas importa a operatória ferramenta triste
que diz a um artista que o artista existe.

III

Conheço todas as casas desta aldeia.
Nada me importa que haja aeroportos entre elas.
Aqui como além marulha o regadio o rico cristal
que à mais pobre couve volve diamantina.
Aqui como além tuteia o padre o cantoneiro
que muito difere ter Deus de não ter dinheiro.

Conheço todas as asas desta aldeia.
De barro a andorinha negra segura a branca entrada
da lusa casa que asa a asa voa pessoa
a pessoa. Conheço até como reconheço:
pois nada sei como antes de nascer.
Sei só que custa morrer

em dor aos que ficam p’ra viver
na aldeia. O problema está na ald’ideia.
Levaram-nos à nascença à imobiliária
a qual fiduciária nos garantiu eterna vida.
E pior que isso felicidade
que viver na aldeia era melhor que na cidade.

IV

Sem a ajuda da noite enegrece o olhar o mundo.
Sem a ajuda da noite enegrece o mundo o olhar.
Olhar pode ser ajudar o ser mais fundo
a mais, olhando mundo, mais se fundar.

V

(Voltou-me o mesmo domingo nocturno,
esta noite de domingo, como sempre aqui,
esteja onde estiver sendo.)

Dobra o bronze o silêncio dos campos percutidos.
Camponeses não há já, embora campos
’ind’ aja e hoje pirilampos
luzicuando infantes j’há muito idos.

Também já ninguém quer mor desconforto
que arrumos terem forma de garagens.
Pipocas-dvd, ipod-mãe-arruma-m’as-imagens,
qu’ isto da vida dermóide ’inda dá pró torto.

Eu sei saudades que tenho e cheiro a feno.
Passavam animais, er’eu pequeno.
A vid’enfim já foi, outra virá.
Não é nem pode ser esta que há.

VI

É um horrendo destino, o dos demandadores da beleza.
Na fala de um homem ela pode morar,
a beleza geralmente encontrada na boca de uma mulher.
Os da demanda da beleza vivem o horror de encontrá-la.
A beleza pode ser uma coisa horrível – e é-o
sempre que pode.
A caca de pássaros pode ser, caindo, bela
como um anjo caído – depende da árvore e do vento nela.
Eu acho isto muito.
Eu pratico esta crença muito.
Eu pratic’acho o meu horrendo destino belíssimo.
Vós também, que o sei muito bem.

VII

Já reparaste, amor, em quão católicas são as mãos dos mortos?
Mesmo as do que, vivendo, creram nunca em Deus?
Repara, amor, na sobreposta cera delas sobre o ininterrupto ventre,
que fátuos borborigmos segue marulhando.

Que tão tristes somos, amor, mortos – quão vivos fomos.

VIII

Isto é tudo fisiologia:
ele há o destino grosso,
ele há o destino delgado.

IX

Eça de Queiroz sozinho na Suíça para morrer
enganando Ramalho Ortigão
como Sherlock Holmes ao pobre Dr. Watson
perante a mor moriarty morte.

X

Não.
Não como Holmes retornaremos em fascículos.

XI

Dilema do poeta:

que a outras pessoas dirá a vós?

XII

Vejo o futebol sou feliz por noventa minutos mais descontos
eu desconto tudo eu conto tudo eu não conto eu conto
que sempre haja futebol que aja por mim o que não ajo
na vida fora de um papel fora deste lápis
tenho uma noção exacta e bonita da coisa escrita
desde que não seja a vida tenho uma noção de.

XIII

Às vezes a vida é uma doença mortal
de que convalesço à sombra pluvial
das ramalhosas árvores subidas a pássaros
em frente ao restaurante onde com a minha senhora
pasto a sopa o pão o vinho o café.

A vida chega-me em telefonemas tardios
de amigos meus em suas vidas à minha
idênticas em tudo a começar pela
vital mortalidade da mortal idade
deles e minha e vossa também que isto
ledes em o letes cursor das vidas.

Às vezes penso em ti um dos tus
que eus são ao meu idênticos
que tu como todos nós és voz
de olhos verdes azuis castanhos negros
cinzentos e finalmente brancos
pois que também neva a nave do olhar.

Manhã muito cedo saio de casa
a cidade recebe-te caminhamos
para vós pelas ruas húmidas de sol
gostais como tu como eu do pequeno comércio
que à vida retalha por grosso.

A minha mulher e a tua trocam
rápidas rosas falam do verão
que aí vem e que elas são
amamos tu e eu delas a solidária solidão
da beleza delas mais que a das demais.

Idêntico a ti passeio e passo como vós
pelas idas e vindas avenidas das vidas
recolho as cores dos alheios olhos
tal que menos a pretibranco viva
eu como tu e como voz.

Vês pelo meu olhar as mãos dos pobres
estendidas à caridade da astrologia
esmolando estrelas e pão de pombas
aos velozes outros que como nós
passam passeiam param e anseiam.

Na minha boca escaldas o teu café
com a tua mão aponto a direcção do vento
esse imenso pássaro transparente
que toda a árvore habita de repente
e desde sempre sempre deste olhar.

Eu é que não podia deixar de vos amar
certo da vossa vida seguro da nossa morte
um dia há-de ser noite todos os dias
como todos nós também ainda e sempre
que renascermos mortalmente ao sol.

E logo isto digo hoje que chove
tarda a primavera futura em ser
o maio que antigamente mais foi
do que agora na nossa vida
postais como tu como eu do pequeno comércio.

Junto ao pavia recebo o mondego
o letes súmulo mortal e fluvial
e de vida afinal tão vital que até
parecem maravilhosas as águas de portugal
país de uma doçura crivada de sal.

Às vezes adolesço não já adoeço
da mole moléstia de vivo estar e ser
em frente ao restaurante com a minha senhora
nas mãos vendo-te olhar por ela
o subir dos pássaros as árvores ramalhosas.

Poderemos então trocar de rosas.

Sem comentários:

Canzoada Assaltante