Daniel Abrunheiro
Daniel Abrunheiro
23/05/2024
29/09/2023
H. EM BUSCA DELFIM - 171 a 175
171
A noite passada, vinda a manhã, será tarde
de mais?
Pugno pela consciência, a mais lúcida, de
nossa desimportância.
Gosto muito de sentir o vento dando de si
em canaviais.
Ando muito a pé, sinto-me em expansão, amo
as aves todas.
Amo, sim, as aves todas, abutres incluídos,
como não?
Esta manhã não sei, amanhã não sei, ontem
talvez soubesse.
Há, notoriamente há, notavelmente há, razões
para.
(Só que, entretanto, Delfim terá suas/dele
dúvidas naturais.)
Quatro linhas de ontem?
Tenho-as aqui:
Fechamo-nos na noite mais cedo do que
devido:
nossos Pais não são vivos,
há que, como um cão,
guardar a orfandade.
172
Trata-se de um homem algo balhelhas, por
assim dizer. Disse-me ter/ser nascido a um 13 de Maio. Disse-me que o
13-de-Maio deveria ser feriado. Disse-mo assim:
“Afinal, é o dia de Fátima, da nossa Mãe
do Céu.
O Camões não era santo mas tem feriado.”
173
Já muito hei praticado mor bondade.
Eu dou pão às aves de terra & céu.
Quando escrevo, atrevo a vontade
de me confessar, de me pôr ao léu.
De betão, viadutos li’am nadas.
De saibro, rangem mais de mil passadas.
Eu vingo as minhas estrofes rimadas.
Eu singro & sangro crónicas cansadas.
174
(Ó juvenilidade ex-minha, não me
expectores!
Ó santa-do-açúcar, dá-me dias melhores!)
175
(Quantos anos deveras temos?
Quantos, vividos, são nossos?
Por que temos frio nos ossos?
E quantos ainda, se, vivemos?)
28/09/2023
H. BUSCA DELFIM - 158 a 161
Foto: © DA.
158
De manhã, pensei alguma coisa, mas não exagerei.
Fiz sesta de duas horas, ó-despois.
Embalo-me para a noite, que servirei.
As vacas são as vacas, os bois são só
bois.
Pensei alguma coisa, Delfim, mormente no
que desconheço.
É muito o que desconheço, mas não muito o
que pensei.
Já menos vacilo, menos hesito, vá, estremeço.
Embalo-me para a noite, toda ela servirei.
Vi hoje Sttau, há muito morto, em programa
televisivo.
Gostei de vê-lo, enxuto na mesma, homem de
clareza.
Li obras dele, lia-as naquele tempo
redivivo
das primas-leituras, que bem me fizeram
com certeza.
Recordei, de Aquilino, A Pele do Tambor.
Recordei, de Régio, os tantos crucifixos
& o Cântico Negro.
De Branquinho, O Barão.
De Namora, Resposta a Matilde.
De Vergílio, Aparição.
De Agustina, A Sibila.
De Eunice, a recente morte.
Não passei mal, ’té aqui, a jornada
(fornada).
Fulano, que vive ali em um quarto da
Pensão Lacrosse,
parece-me adoentado com alguma gravidade.
É (sempre foi) de carão severo, d’exagerada
severidade.
À janela do quarto, pelas sete matinais,
mui Fulano tosse!
Fulano chama-se Tita Cajó Roderico
Erminde.
Nunca nos falámos ou jogámos ao berlinde.
Foi casado com Tilde Riacho Palla
Wenceslau.
Nunca mais houve mulher: não sei s’isso é
bom, não sei s’isso é mau.
Hoje, a fornada inclemente voltou a atacar.
Mantive-me à sombra o mais quanto pude.
Tanto grau não pode fazer bem à saúde.
Sinto-me fermento sempre a destilar.
Na Pensão Lacrosse (cujo bufete frequento),
há bifes-de-sola & empadão-de-cimento.
Porém, é gentil o casal velhinho
que me serve a azeitona & me regala o
vinho.
Estiveram em França, região de Toulouse.
(A de Claude Nougaro, da célebre Ville-Rose.)
Ele é Nicolau – e que ninguém ouse
chamar-lhe “ó Breyner”, que ninguém abuse.
Ela é Dona Carme, qual composição de
Catulo.
Carme Dorca Estendal Sá, ao V.º serviço.
Já vai nos setentas (dos vintes, foi um
pulo).
É oriunda da Ega, filha de cavalariço.
Quase las-siete-de-la-tarde, nestes
entretantos.
(À meia-noite pego, saio às oito, dia
ganho.
Só até meado Setembro tal ofício esgalho.
Segue-se-lh’ a incerteza, sem risos nem
prantos.)
A porra do Sol é de grande ferócia.
Quem me dera à sombra de frondosa acácia.
A minha vida é tristonha, tristonha
facécia.
Dev’ria ter ido a talhante – ou então a
polícia.
(Ou a urso-de-pelúcia.)
159
A infância desconhece-se sozinha no mundo.
A velhice, não – a velhice reconhece-se.
Está errado o infante porque se desconhece?
É seguro o velhote que se reconhece?
160
Ainda afinal alguma alma?
Beberei eu ainda da doce água?
Terei eu profanado de ’Nando o habitat?
(Mas como o faria, se há tanto ele o não há?)
Ferrabrás Bravateador,
que a pele te arda em apuros de dor!
Tua cifose, ó giba-marreca-corcunda,
te seja maldita & má & imunda!
161
(Apercebo-me, mais & mais, cada vez
mais, como se até jamais, da minha desimportância mesma – desde que à de todos idêntica,
até por id-ente-idade.)
27/09/2023
H. EM BUSCA DELFIM - 154 a 157
154
Vislumbro
a possibilidade mínima de um encontro.
(A
26 de Julho de 2017, liberto enfim, encontrei uma nota de cinquenta euros.)
(É
que nem digo achei – digo: encontrei.)
(Ou:
encontrei-me com uma rica nota de cinquenta euros.)
Encontro?
Reencontro?
Delfim:
a dúvida é quase mirífica.
Ou
sabática.
Ou
– vamos lá – sabática.
155
Sob
as tílias, assimilo a derradeira luz do dia.
Corre-flúi
uma aragem fresca, agradabilíssima.
Nem
sempre é remunerado quem mais porfia.
Verdade.
Mas é que é uma verdade inutilíssima.
Rua
do Padrão, antemão da Avenida Fernão de Magalhães.
19
& 48, vi hora & meia o senhor meu Irmão José.
As
tílias? Firmes, maravilhosas, de pé.
As
famílias? Essas são diversas confusães.
Um
resto de desejo (sei não de quê ou quem) talvez me anime.
Um
rosto por ensejo, claro, bonito, sublime.
Não
sei. Sei que tenho de pegar ofício à meia-noite dada.
Que,
de resto, valem deveras meus sonetos?
Património
que legue a eventuais netos?
Ná.
Nã’ me parece. Decerto nada.
156
O
rosto rubicundo do bebedor na Rua do Padrão: pimentão.
Nada
sei de sua pessoalidade historial, seus proibidos arquivos.
Sei
tão-só que é um dos que ainda vejo vivos.
aqui-Coimbra-Rua-do-Padrão.
É
pelo entardenoitecer: recolhe-se ele já a sua cela.
(De
madrugada, regurgitará uma bílis carmim-amarela.)
Sei
o nome dele, que d’imediato aqui revelo:
Corcel
Vintém Regougo Amarelo.
As
crianças humanas valem a criancice das demais crias?
Tudo
vale, nada perdura – a lição é dura.
Nasceram-te
sem processo-de-instrução: que querias?
A
guerra não é passada, é futura.
O
rosto, de rubis fecundo, do bebedor da Rua do Padrão.
Sim,
é mote de meu poema (de improvável edição).
Ele
há sempre coisa pequenita impedindo-nos de fazer um figurão.
(Digo
eu, que nem ao luar uivo – tão só ão-ão-ão-ão.)
Chamam
nomes-impropérios a estátuas de ex-impérios.
A
estupidez humanóide coincide consigo mesma.
Vai
tudo do foderem-se-uns-aos-outros-+ ou – sérios.
De
resto, fica-tudo-como-a-lesma.
157
Tem
em conta, excelso Delfim que:
Em
anos-verdes, sob este mesmo azul, singrei à bolina.
Tenho
por boa prática o levantar-me cedo, cedo arruar-me.
Consulto
do mundo-próximo os índices, a bibliografia do dia.
Efemérides
pratico também, em constante sarabanda.
Os
anisófilos (vá: os bebedores-de-anis) campeiam, não rareiam.
À
saída do emprego (enquanto um tenho & mantenho), não vacilo.
(Às
vezes, bacilo: mas vacilar é-me menos comum, felizmente.)
Falei
dos bebe-dor: ele há-os muitos & muito.
O
calor descasca o mulherio, belas peças-de-fruta carnívora.
Em
anos-verdes, sob este mesmo azul, sangrei a menina-víbora.
Em
anos-rosa, través este mesmo branco, instaurei-me rotina.
Desde
menino que padeço da atenção toda ao palavreado.
Outra
coisa não tenho feito: escrevo no ar o que o ar me ouve.
Este
é o destin’itinerário-senda que me coube.
O
levíssimo insecto pousa em esta página mesma, lêde-o Vós.
Içou
voo, dissipa-se na transparência cristalina da matina.
Faço
como sempre fez Borodino Manchego Refalde Tamizes: subvivo.
Faço
como nunca fez Peralta Damurça Sarmento Corvo: completo 58.
Nada
pode interessar-Vos eu ter amado Serôdia Rivelino Fragide Colcheia.
(A
história com esta senhora não foi linda nem foi feia.)
Formalmente,
sigo mostrando-me de atavio pouco repreensível.
Não
é que ao humano mundo alheio interesse o que pareço de óculos.
Trata-se
de uma questão de higiene-básica (a mental incluída).
De
sítios & instantes que não lembram ao Diabo, lembro-me eu.
Abeirei
precipícios que eram afinal tocas-de-grilo, não mais.
Tenho
conhecido gente válida, certificada, pronta, em-vivo.
(Conheço
também da outra, a neutra, a sem-singularidade.)
Tudo
isto não passa de, digamos, singularidades-de-um-rapaz-moreno.
Para
quando a grande opereta-bufa de meu enterro?
Seja
quando for, será protagonismo que não erro.
Amortalho
antecipações sofríveis que só fazem sofrer.
Reciclo
emoções perigosas em prol da sanidade possível.
Adentro
mais & mais a condição (o estatuto, id est) de estar-de/por-fora.
Da
honestidade & da hombridade paterherdadas, nada titubeia.
Remiro
as fotografias de meus consanguíneos, deito contas aos anos.
O
meu primo-direito Cardito Richa Bispovala Dearte, hepático, f. 1994.
A
minha tia-avó Magda Colchete Reveles Queluz, tísica, f. 1965.
Esmifro
pão ante pombas que mais me sabem do que os meus Leitores, se alguns.
(Ainda
esta manhã o fiz, em dois lances da R.ª de Fora de Portas, FF.)
Em
anos-carmim, chamei a mim dores necessitadas de mor siso.
Frugal,
temporizado, pobrete, crisóstomo, facundo.
Tempestivo,
revoluteador, ávido, seráfico, onanista.
Dez
adjectivos que à medida alfaiatam este H. em Busca etc.
Mais
outros tantos; fragilíneo, voraz, topómano, úrico, único,
frutívoro,
furtivo, ornitófilo, xadrezante, literaferido.
Deram-se-me
já as 9h37m da quarta-feira, vou-me ao Gatito.
Subo
a pino-prumo a ladeira do Monte Formoso, não-é-p’ra-todos.
A
Cristina doou-me comida completa, minha porção do dia.
O
meu Irmão José D. falou-me ontem pelo olhar, não minto.
Em
anos-bolina, sob este mesmo verde, azulei quanto pude.