02/06/2022

H. EM BUSCA DELFIM - 3 (6.4.2022)

© DA.


Não sou decerto amado pelos deuses: envelheço mas ainda não morri. Não é confortável pensá-lo – mas mortal também não é, valha a verdade. Penso nisto, Delfim, no mês que leva nome do teu nascimento. É por uma manhã fresca, a que porém não falta a divina majestade da luz solar. Dormi com doce desenvoltura: os sonhos não foram perniciosos. Às seis da matina, reiterei da janela ocidental as pombas adormecidas na casa em ruínas que anuncia a Rua de Aveiro. Cem anos depois, durmo à beira do meu paterAvô, condutor de eléctricos. Perto, o Choupal rumoreja como uma ave cercada de águas. Nada quase sei – ou pretendo saber de outiva – desse homem que teve nove filhos da mesma & única mulher da sua vida, dentre os quais o quinto me coube em sorte de Pai. Não sabemos o amanhã. Sequer sabemos se amanhã seremos. Esta manhã, todavia, uma espécie de quietude me escora contra a vaga frigidez, meu excelente Delfim. Antes, enfim, pensar a vida do que mentirmo-nos sobrevivências. Resto-zero dão quaisquer flores ou velas sobre mármore duplodatado depostas. 


 

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Canzoada Assaltante