13/09/2021

PARNADA IDEMUNO - 760 a 767

© DA.

760

Sábado,
11 de Setembro de 2021

    Com Maria da Conceição vim ao Ventura, desjejuámos bem & devagar. Conversámos través uma mansidão de boa-ventura. Ela contou-me do curso, das irmãs & do irmão. Bela Maria da Conceição.
    Também o Negro Encarnação veio a pequeno-almoço. Vi-o papando bolos-de-bacalhau, sandes de iscas, dois topázios, perdão, dois copázios altos de tintol.
    Nada disto foi hoje. Há bem Ventura nem boa-ventura. Foi quando saiu o disco do Fausto, o Por Este Rio Acima, vejam bem.
    Também o Café Abadia fechou portas, Reabriram-no com outro nome, outros móveis, outra geração. Estas coisas entristuram-me mais do que é são, São.

761

    Ajaezada de esmeraldas azul-citrinas, a senhora impôs seu aparato través os sentados no Arcádia. Esposa abastada de advogado, mula de antiga louçania, Elvira de baptismo. Colo branco, de leite duro, sobre que as esmeraldas de limão-celeste. Mas esperai: não pode ser no Arcádia, fechado há muitos mais anos do que o Abadia. Tem de ser em sonho que durmo, presa de uma sensação de irrealidade até sonho adentro. Fulguram chispas & centelhas de um lume de mica, serpentina, jaspe & quartzo. É um dédalo de riscas insculpidas em penhascos de papel.

762

    Em outro dédalo, esta autoconsciência: nunca gostarei do presente.

(763)

    (Quanto ao 762, é tão desanimador quão vero.)

(764)

    (Olhos monossilábicos de estupidez pura: os do rapaz que me mirou em espectacular incompreensão. Guardei os adjectivos para linhas ulteriores: monossilábicos & pura.)

765

Mas, olhai, é Sábado.
Véspera exacta da desértica placidez dos domingos.
Alta como uma flor
(qualquer)
passa a menina enamorada de a seu lado o namorado.

766

Domingo,
12 de Setembro de 2021

    Momentos há, incomuns embora, em que certa lucidez me não desampara a loja. Atocho o cachimbo mental, sujeito a sevícias & a ordálios a distracção, descuido a maquia ciclópica que a idade já me perfaz, malbarato dissensões intestinas (id est, ex-familiares), frúo a rima dos substantivos revelim & lascarim, tachorno de alfazemas & violetas o veludo da ideia pitoresca, relembro a piscosa (de robaletes) Quinta do Canal (“Rui, tem música? Tem música!”), vagueio alpondras & bambúrrios recordados, emborco mais do que embarco, durmo fora de mim o mais que posso (e pouca é tal posse), tantalizo a carnalidade hoje micção, perdão, ficção, sei corredias & corrediças as alegrias atomizadas pela ingente indiferença mundial, gravuro a água-forte esconsas encostas escalvadas, esvazio momentosos cunhetes de munições, aprecio ao imaginado pôr-do-sol (mas são as cinco da manhã, Zé, Rui, Jorge) garranos refulgindo & passos tropeando a ouro acústico, por taludes resmoneio a mais crocitada, a mais bufida, a mais tinida solidão, a trancos de escantilhão sou euforicamente triste, mais por mortos que por mortais me interesso, salvados, despojos & destroços atiro a uma praia a que me esqueci de ir, momento houve.

767

Não sei se gostaria de saber quando despedir-me.
Faz-me por enquanto falta estar vivo por aqui.
Caminhei sem alheia presença uma hora no domingo novo.
O Cristiano marcou ontem dois golos no teatro-dos-sonhos.
Vêm a farináceos & a lácteo-cafeínos os vizinhos.
O mundo não é breve, breve é por ele a passagem.
Caras às vezes rostos mas raramente rostos, feições apenas.
É de novo o domingo-velho, pausa-de-deus, arrebol-de-pobres.
Solene é de enterro-grande a manhã em Lisboa.
Sepultam Sampaio, o que autorizou touros-de-morte em Barrancos.
Talvez agora conheça o que é estar ante a espada mortífera.
Não seria decerto mau homem, pareceu-me apenas banal.
Foi todavia Presidente da República de Portugal.
(Também o fantoche-Carmona, também o inefável-Cavaco.)
Adiante, tenho mais que desfazer.
Passou um perfil de vivo que um morto me recordou.
Ao canto-nascente bebem malvasia dois maganos.
São septuagenários, sabem-na toda, curtem a duração.
Parecem-me envelhecidas as crianças, não sei porquê.
Profissionalizadas, quero eu dizer, de menos inocência.
Não sei se gostaria de voltar a criança.
Talvez a velhice a tal me condene, a patibular idade.

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Canzoada Assaltante