16/10/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 13

13

Pombal, tarde de 14 de Outubro de 2009

Uma vez nós éramos amanhã – como ontem.

Rua de S. Lourenço, Rua dos Loureiros, Rua Mancha-Pé, Rua de Coimbra: amanhã como ontem, gerações, terminações ontem como amanhã.

Conversei com descriados homens sobre isto de as estações não começarem já, como dantes, à hora marcada.

Vai quente o Outubro meão, postiço Verão que de maior sal marinho é feito que de outonal açúcar da mascavada castanha.

Sopra-se quanto se respira – e em bafor(n)ada sai a combustão de carbonos, litígio venoso-arterial de pulmonares.

Pingo sal poroso.

Uma série de mulheres não velhas pilotando utilitários comerciais pelas vielas empedradas.

Locução de um Mendaev a propósito da Raposa do Árctico.

História económica do lápis amarelo com borracha no extremo oposto ao do bico: tinta, madeira, mina, metal, borracha: História da Humanidade (mas não na Risco do Rui A. C., por vulgaridade).

Somos todos, cada um e por si, a Construção Civil Ambulatória: como todos somos a História da Humanidade, micenicamente até-mais-ver.

Lapso-relapso individual desde que contumaz.

(Fogueiras do S. João.)

Criancinhas de bibe azul em relvado verde: rositas.

Cassetes com vivos-mortos gravados em fita de leitor rente a laranjeira.

(Hei-de escrever cassetes: projecto lúcido.)

(Integrar o teor de tais fitas em estas

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS.)

Brasileiras de tez de cagalhoto encardindo as/pelas ruas solares de Pombal: superiores a nós todas, coitadas.

Respiração amanhã, hoje tabaco, ontem Maio64-Junho65.

Pedi à Senhora que me digitalizasse a fotografia da Quinta da Machadinha, onde comecei a ser amanhã entre Maio de 1964 e Junho de 1965.

Ela disse que sim, como de costume.

Derivei: S. Lourenço, Loureiros, Mancha-Pé e a de Coimbra.

Cortando a perna direita ao R de

REI DOS FRANGOS,

ficaria

PEIDOS FRANGOS,

o que é sempre bonito.

Chuva castanha invencível: olhar um rio.

Outro homem em mim.

Laranjeira e leitor de cassetes.

Dizer tudo isto de outra maneira em o mesmo

(assim:)

Flor pequena e demorada da minha vida,

distinta assumpção morosa do viver:

vê se convidas p’ra chá a Margarida,

que, moça sendo, muito tem ‘ind’ a saber.

Fala-lhe, flor, de naperons.

Indica-lhe moços bancários casadoiros.

Diz que é séc’lo-XX, pinta-lhe tons

d’oiro-d’igreja, sempre são oiros.

Diz-lhe das lentas coisas de entarde-ser.

Lagos-76, já muitos Retornados

infectando pensões e areais doirados.

Diz-lhe, flor, de envelhe-ser, Margarida.

Isto não tem que disfarçar, é a vida:

anos do porvir – quantos já passados?

E no soneto moro e demoro minutos solares, adamascado hálito de consumptor de engaços.

A cada um, seu monte-olivete.

Prados e prados de duro gelo.

Experimentemos, pois, em nonas:

Prados e prados de duros gelos.

Degelo é viver em duros prados.

Cansados de ser, de sermos belos,

belos e frios de congelados.

Mas o Sol, essa Rosa Termonuclear.

O Sol de Outubro vingando a Tarde.

A Neurologia da Graça, do Riso, da Paciência, da Promoção do Hipermercado.

Entretanto, amanhã como homem-ontem, uma mulher assenta praça de nádegas sobre banco alto de balcão. Pede um bianco com unha de limão. Arrefega o assentamento em gretad’adiposa. Mariposa da tarde. Acento alto-beirão nas sibilantes, tramontano nas africadas. Blusa aurinegra de cavas, de que pesponta o pêlo mal rapado, axilar. Sandália demasiado branca, aliás sangrada a escarlate por duplo pentagrama de verniz: dura onicofilia, aguilar. Na cabeça, rabo: de cavalo alto. Botões de cobre chinês, saca aos pés de comer de gato. Generosa do falar. Decorosa até, quase. Ave de anoite-ser por notas de banco. Apanhada em bianco pela tarde. A tarde de amanhã. A tarde de ontem. Consequência da luxúria de alguém-vezes-dois. Senhora de suas plantas, até genéticas. Sem cartão de biblioteca. Com carta de condução. Em juvenil, o cisne habitou talvez seu perfil-de-peito. Bom momento descritor. (Vivo para isto.) Se fosse uma da manhã, em algum covil comercial de alterne, esta fêmea medusar-se-ia. Desejar ter faria, sirénica, rolhos de cera em os pavilhões auditivos. Agora, não. Agora, é só uma mulher solitária bebendo sozinha. Mariposa vespertina. Bianco. Um canino ligeiramente azul-de-podre crayonando o lado esquerdo do sorriso. Cu largo como uma praça de província, os plátanos sombreando refegos e elásticos-de-calcinhas. Mas – e as memórias eventuais (conventuais) desta mulher? Mas – quem sou homem para capitalizar, em tão magro verbo-literatura, uma presença assim larga, assim nalgal, assim aurinegra?

Cotovia, cotovia,

dá-me um trino de limão.

Se tu vires

a minha vida,

não me queiras,

queiras não

, inventei agora, ao jeito das folcobaladas (compasso ternário, naturalmente) de rancho-de-coimbra-fins-XIX-alvores-de-XX.

Depois (agora: Outubro de 2009) penso em Maio1964-Junho1965. Que quer isto dizer? Nascer da intersecção homem-mulher? Que quer isto ser? Leite de homem, clara-de-mulher-ovo: que? Sou o sétimo-de-sete. Safo-me a bruxo por ser, meu Pai, quinto de nove. Quem quer ser isto? Até, como lobisomem, falhado. Bem. Quem leia, veja: a foto da Quinta da Machadinha.

Casal arriba a casa-de-pasto, talvez ambos roçando a trintena, ele de bola craniana já sem milagres, as suíças por paradoxo hirsutas, a pele da cabeça não, ela de amarelo-cabeleireiro gratinado tipo empadão, a mama murcha, a blusa roxa, a sandália envernizada a preto-mosca. (Estais vendo o casal, decerto.) Ele é de olho azul(m)aguado, camisola-t-shirt-pólo-do-lidl, ela de brincos-de-ananás-que-perde-a-tinta, casaram-se por rendição de escolaridade mínima (EUROPA! EUROPA! EUROPA! EUROPA!), vão ter filhos, o que é sempre grave, além de bonito (COTOVIA! COTOVIA!(…)). Ai-se-ti-de-manga. Sopa em malga com filete azul. Sandes de paio. Pinguins económicos: ex-bibes azuis sobre verde-rosa.

Em visão ou sonho, sonhei ou vi.

Sou do breve país de ter nascido.

Conheço a minha condição:

igual à tua, que é de vida

à de vida ser, ó meu irmão.

Inventar este tipo de coisas enquanto o cancro ou o desastre de carro não. Ser um homem, mesmo que outro em mim, em esta, mesmo que outra, vida. O CARROSSEL MÁGICO não pode ser posto por nós, menin’omens, em tribunal: obedece a razões logísticas de aturar as consequências da luxúri’amor: os filhos que fo-so-mos amanhã, como ontem

(vê a fotografia,

MAIO DE 1964, JUNHO DE 1965, etc.,

entretanto e tantos,

(mas já agora espera por amanhã.)

Depois eu entro nisto, amanhã: talvez a minha vida tenha dado vidas, talvez não tenha apenas sido estéril como literatura.

Digo: algum lapso-relapso de uma frase em Paris, país a que nunca fui, talvez Albergaria dos Doze, talvez Moçambique, talvez, até, Newark, i-u-ésse-ei.

A minha gente é amanhã, Cecília.

You’re shaking my confidence daily.







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Canzoada Assaltante