13/09/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 1

© William Klein
Dance in Brooklyn, 1955



1

Souto, Casa, tarde de 13 de Setembro de 2009

Pensava eu aqui com os meus botões sobre a improbabilidade de deixar marca nisto a que chamamos Realidade. Na medida do possível, flutuei como um pavimento. Os botões também flutuaram, suponho. Pensei no cinema disto tudo. Na mentira própria e mesma do mesmo corpo próprio a que um de nós chama Eu. Vi as aves cometendo o anil com delas a roupa preta. Vi o mar do Baleal encontrando-se na luz por ele segregada, mesma e mesmo. O mundo tão povoado de portões. O problema das emoções cegas. A idade de uma pessoa. Uma pessoa ser um homem. Um homem ter sido menino apenas quando não havia portões do mundo. Os portões serem cegos como as emoções. E os anos pingando cera como horas gota a pingo a gota a cera, anos: fósforos. As pessoas que ainda entristecem (e as que não) em pátios e pelas ruas. As que se perderam na volta dos cigarros. Os cavalos dos ciganos, os circos de vila em aldeia, a angústia muito poderosa dos natais. O facto de haver registos: óbitos, hábitos, nascimentos, temáticas, sincretismos, sotias. Por mim (um de Nós, portanto), tão-só a fixação das regras essenciais. Deus e chávena: possíveis e improváveis, Um como a outra. O Pavia e o Arunca, o Tejo e o Mondego: veias abertas de suicídio nenhum, antes pelo contrário. O ter perdido alguma coisa durante isto que ao resto disto condiciona. Passeios meditabundos desde criança: prova e provação. Mas ainda posso: o que for: o tempo é algum, ainda. Planos cinemáticos, paisagísticos, de logística de transportes, de manutenção de víveres e de produção de versos – são como Deus e são como as chávenas. Um de nós há-de ser real. E a realidade é férrea. E os portões são férreos – e o que era para ter sido lácteo, já foi.

Pátios varridos a revoadas fulvas: outonos que varrem gerações de crianças, gerações de crianças e de cães e de gatos e de vizinhos e de marcas de carros, tudo caído em desuso por força de tanto entretanto. Voltas, ainda assim, maravilhosas: quando a cabeça entende o que algo deveras é: uma coisa como um pássaro ou uma atitude ou uma epígrafe ou uma bondade ou uma data.

E uma linha de verdade possível e improvável – por aí, anil, preta.


Sem comentários:

Canzoada Assaltante