11/02/2008

Mesmo Assim

Crónica nº 38 da série Rosário Breve,
como sempre n’O Ribatejo,
desde 8 de Fevereiro de 2008
(www.oribatejo.pt)
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Mesmo Assim

Quando nasci, o País era todo CDS.
Mesmo assim, havia mais sobreiros do que submarinos. A vida era como a televisão de então: a preto-e-branco, só aceitava que a ligássemos umas horas poucas por dia. Mesmo assim, naquele tempo vergonha era sinónimo perfeito de honra e de dignidade.
Não, não tenho saudades desse tempo. Juro que não. Por um lado, porque todo o nascimento é uma propedêutica da morte. Por outro, porque uma vida rápida é sempre preferível a uma morte lenta. Sim: quando nasci, os mortos andavam devagar pelas ruas, todos a fingir que viviam. Agora sei que só os sobreiros e a vergonha existiam de verdade. E sei, agora, que já nem eles. Nem ela.
Pareço-vos hoje carrancudo, tristonho, pessimista, desconstrutivo? Pois pudera: agora, a televisão funciona o dia todo, mas a vida não é menos cinzenta. A democracia é uma falácia ignóbil. Os autarcas são reles. Os professores não lêem. A Justiça é de uma paraplegia de caracol. A Saúde é uma vergonha que rima perfeitamente com indignidade. A Banca é chefiada por heterónimos do Ali Babá. E há muito mais submarinos do que sobreiros.
Mesmo assim, vivo feliz. É certo que a minha felicidade é tão parola como a vossa, por ser dotada (e datada) daquele binómio pobrete-mas-alegrete do País-à-la-CDS.
Enquanto não quisermos outro, é mais do que mesmo assim: é assim mesmo.

1 comentário:

PDuarte disse...

Ó pá, vai beber um copo ao "Café-Concerto" que isso passa.
Um abraço pombalino.

Canzoada Assaltante