27/02/2007

Há Barcos que só de Noite - 33 Tercetos

"Toda a alma triste dá luar."
Teixeira de Pascoaes, Livro de Memórias, pág. 37
Há barcos que só de noite caminham,
como Cristo,
sobre as águas.

Surpreende-os a Lua,
sob as pontes,
Lua e barcos.

São toneladas
de
solidão.

Não são
despedidos
nem esperados.

Ouço
seus urros
cetáceo-elefantinos.

Troncos deitados
no mar, ao mar
deitados.

Tronbarcos iluminados
mas
sem pássaros.

Morrem de
sede
sobre o sal.

Quilham,
cortantes,
cardumes.

Todos
merecem
a Lua.

Faúlhas de ferreiro
estralejam nos convés:
as estrelas.

Homens,
dentro, fora
mulheres.

Escrevem e deixam,
da popa, infinito
verso branco.

Sucessivos,
nunca
irmanados.

Comboio
reticente
formam.

Fervem
neve,
da popa.

Morreram

seus armadores.

Quando descem
aos fundos,
sorriem.

Afogam
Cristo,
descendo.


Seu corpo
chama-se
calado.

Ferro
e madeira,
juntos.

Não me
parecem
mortais.

Confiscados
pela
prata.

Separam
sardinhas
de albatrozes.

Almas
puderam
tornar-se.

Não
choram, não
cantam.

Urram,
arpoados
pela Lua.

Para trás,
dissolvem
as pontes.

Levam
cartas
inescritas.

Nunca
trazem
correio.

Só os ratos
lhes são
fiéis.

Olhá-los
pode
matar.

Molham-me
os
olhos.

Caramulo, tarde de 20 de Fevereiro de 2007

1 comentário:

José Antunes Ribeiro disse...

Olá Daniel,

Como sempre, leio com prazer a tua poesia!
Um grande abraço!

Canzoada Assaltante