Gravura Sonora a Marcador Preto de Mulher
– mais um exercício porassindizer literário –
Viseu, Irish Bar, tarde de 3 de Junho de 2008
Mulher cuja seda dérmica não sei se serena, se só doce, se de sossegada sede só. Ou se tão-só só. Amorenada como pedra-de-Ançã deixada ao sol muitos anos, de amedusadas mãos ondulando instantes ao ar da hora. Bom capitel de dóricos fiambres empernando os fémures, mais ilíaca envergadura à cinta. Pés não grandes, peitorais quilhas emergindo, inversos barcos, à tona da peliça dos sapatos finos e bons. Comovedor balcão mamário: duas meias toranjas cortadas do mesmo pomar do nascimento. Traseiro amelanciado mas breve – de octângula lua, se quatro vezes tocado por alheia mão dupla. Veio tomar café, sopra egipciamente o incenso do cigarro ao balcão, sobre que fulge a laranja do projector. Ao lado, não contando para a gravura, o gravador assenta o ligeiro, que não leviano, panegírico da gravada. Blusa lilás, que enegrece na noite como uma hemorragia de lírio tropical: lírio para alheio colhedor de lírios. Talvez trincadora de cubos de açúcar, suavíssima égua talvez de erógenos serões nunca para o gravador, que grava mas não recebe açúcares. Pouco abaulada circunvalação ventral, onde o umbigo ata um nó de pêssego, algo acima da breve amazónia púbica. É então que pede uma cerveja preta, que recebe na boca como uma carne cinematográfica. Seria precisa uma memória de pano para guarda de tão têxtil memória: a lembrança dela, entre um café negro e uma cerveja preta. Bem mais clara (e mais difusa, sinceramente) é a radiação angélica de sua particular luminura, branco veludo de nigérrimos luminares: astros sintácticos na morfologia toda que é ter nada mas, ainda assim, a um balcão da noite, gravar uma mulher – gravá-la, a ela. Diz o gravador, portanto: mulher cuja seda dérmica etc. Derredor, ou em torno, a galeria incontável (e não contada) de rostos iguais, posto que não dela. Seu rosto? Abreviatura de cosmogonia tão mais particular quão mais amada: como o rosto da Mãe – a do gravador como a vossa. Sons tocam de tímbalos e cimbalinos, míscaros mesquinhos, toca lábia a sílaba sibilante. Adiante: mulher bonita que entristece, até, em luz feliz, num fiambre de viandas, noutra conjugalidade não desperta para esta insónia de gravador, a minha finalmente, que aqui findo, havendo-a gravado, aos três minutos para as três da tarde, ou da noite, num bar da cidade de Viseu, aos três de Junho, dois mil mais oito anos, agora, XXI.
Rosno, rosno, rosno...rrmmmm,adoroooooo...
ResponderEliminardigo eu :
-" Là està o daniel a olhar por dentro e por fora e a enrolar tudo numa seda, num calor insuportàvel de doçura, de sensualidade, de triste sabor amargo do tempo a fazer obra.
Daniel, é lindo!
Os dois, o poeta e a sua lingua.
Apetece ler isto até ficar agoniada...como comer creme de castanhas com chantilly.
Bom, tenho que ir.
Sabe que me apecia era estar pendurada a um balcao, e nao saber que hà um poeta a ler-me as penas...mas tenho é sorte de o puder ler.
Se tomar um café comigo, eu prometo nao falar.
( je suis bavarde...)
beijos , LM
(re)publicado na incomunidade
ResponderEliminar“Há cidades cor de pérola onde as mulheres existem velozmente”. Essoutras, feitas de pedra-de-ançã, mas que existem marmoreamente, não são menos belas.
ResponderEliminarSaúde,
Britannicus
Bom, eu sabia que devia dar ouvidos aos conselhos da LM Paris:)
ResponderEliminarEste texto é saboroso:ler, reler, descacar como uma laranja, comer gomo a gomo...
Obrigada.
eu é que agradeço, senhora. obrigado.
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