1
Ainda não estava feita e já se chamava Maria Lúcia. A mãe de Maria Lúcia já gostava do nome da filha que haveria de ter antes ainda de conhecer um homem. E de, já agora, gostar dele o suficiente para com ele fazer uma filha.
2
A mãe de Maria Lúcia nunca gastou romances. Nem de papel, nem de carn&osso. Ela trabalhava na fábrica de cerveja. Sentada perante o écran de néon, via passar as garrafas recicláveis. Quebrava as sujas, deixava passar as limpas.
3
Naquele tempo, o tempo não custava tanto a passar como agora. A mãe de Maria Lúcia tinha uma bata tão limpa como a toalha de comer. Apresentava-se bem, mas não era bonita. Era, porém, um corpo sólido, construído, fértil e – como direi? – eficaz.
4
Havia (naquele tempo havia) muitos homens. A questão era operária, como de costume: a mãe urética, o pai terminal. A mãe de Maria Lúcia esperou sem saber que esperava. E o tempo veio. O tempo veio de os pais morrerem. E ela sem ser mãe.
5
Também não tardou muito. Apareceu um prospecto de baile. Era em A5 e amarelo. Colavam-no pelas costas ao espinhaço dos postes telefónicos, dois a caminho da fábrica. A mãe de Maria Lúcia leu os dois. Decidiu, órfã, ir ao baile.
6
Upa neguinho na estrada
Upa p’ra cá e p’ra lá
e os rapazes bebiam cerveja à pressa antes de convidarem para dançar. A mãe que haveria de ser de Maria Lúcia tinha o nome, só não tinha a moda. Slow down, my dearest. Também é preciso ter calma. Reciclar é preciso.
7
O macho do leite não veio logo. Veio dois minutos depois de logo. Apresentou-se bem. Que já fosse casado, não era informação à altura do vir. Veio e convidou para dançar. Dançaram. Na terça-feira depois, apareceu na fábrica de cerveja pela saída de almoço.
8
Quanto é que tens, o que é que não tens, ouve, a gente faz assim, isto é tudo uma maneira de falar, desde que não se saiba. A mãe de Maria Lúcia soube logo em que é que se tinha metido. E o que.
9
Engravidou sozinha. Um encarregado da fábrica falou com ela. Ela ouviu, mas disse que não. Depois, manteve a casa no casal: cozinha e quarto dentro, retrete comum. Antes de mais 20 anos, dava.
10
Esta é a história verdadeira de Maria Lúcia. Nasceu de um baile. Estudou enfermagem e fez-se. Já teve dois maridos e um filho. Ajuda a mãe como pode, também não se pode dar sempre confiança ao que dizem os velhos.
Ainda não estava feita e já se chamava Maria Lúcia. A mãe de Maria Lúcia já gostava do nome da filha que haveria de ter antes ainda de conhecer um homem. E de, já agora, gostar dele o suficiente para com ele fazer uma filha.
2
A mãe de Maria Lúcia nunca gastou romances. Nem de papel, nem de carn&osso. Ela trabalhava na fábrica de cerveja. Sentada perante o écran de néon, via passar as garrafas recicláveis. Quebrava as sujas, deixava passar as limpas.
3
Naquele tempo, o tempo não custava tanto a passar como agora. A mãe de Maria Lúcia tinha uma bata tão limpa como a toalha de comer. Apresentava-se bem, mas não era bonita. Era, porém, um corpo sólido, construído, fértil e – como direi? – eficaz.
4
Havia (naquele tempo havia) muitos homens. A questão era operária, como de costume: a mãe urética, o pai terminal. A mãe de Maria Lúcia esperou sem saber que esperava. E o tempo veio. O tempo veio de os pais morrerem. E ela sem ser mãe.
5
Também não tardou muito. Apareceu um prospecto de baile. Era em A5 e amarelo. Colavam-no pelas costas ao espinhaço dos postes telefónicos, dois a caminho da fábrica. A mãe de Maria Lúcia leu os dois. Decidiu, órfã, ir ao baile.
6
Upa neguinho na estrada
Upa p’ra cá e p’ra lá
e os rapazes bebiam cerveja à pressa antes de convidarem para dançar. A mãe que haveria de ser de Maria Lúcia tinha o nome, só não tinha a moda. Slow down, my dearest. Também é preciso ter calma. Reciclar é preciso.
7
O macho do leite não veio logo. Veio dois minutos depois de logo. Apresentou-se bem. Que já fosse casado, não era informação à altura do vir. Veio e convidou para dançar. Dançaram. Na terça-feira depois, apareceu na fábrica de cerveja pela saída de almoço.
8
Quanto é que tens, o que é que não tens, ouve, a gente faz assim, isto é tudo uma maneira de falar, desde que não se saiba. A mãe de Maria Lúcia soube logo em que é que se tinha metido. E o que.
9
Engravidou sozinha. Um encarregado da fábrica falou com ela. Ela ouviu, mas disse que não. Depois, manteve a casa no casal: cozinha e quarto dentro, retrete comum. Antes de mais 20 anos, dava.
10
Esta é a história verdadeira de Maria Lúcia. Nasceu de um baile. Estudou enfermagem e fez-se. Já teve dois maridos e um filho. Ajuda a mãe como pode, também não se pode dar sempre confiança ao que dizem os velhos.
Caramulo, tarde de 18 de Dezembro de 2006
Boas festas, meu caro Daniel. Obrigado por escreveres.
ResponderEliminarBoas festas, Paulo. Obrigado por leres.
ResponderEliminarTambém desejo Boas Festas! Beijos.
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