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17/08/2006

Ela Voltou

Ela voltou para mim. Algumas vezes em que me achei mais fraco, terei pressentido não voltar a vê-la. Para minha boa sorte, errei. Voltou esta mesma manhã. Agora é de tarde, quase noite até, e ela permanece. Amo a sua nudez não passível de igreja, o descalabro da sua antiguidade fingindo-se moça, o seu despudor cantante.
Acho-a magra. É toda linhas, por e para onde quer que a olhe. Dá a ideia, decerto segura, de ter vivido sempre descalça. Olha de cima as árvores e o traçado das ruas. Ela respira como um pára-quedista: sustendo o coração.
Sei que partirá de novo. E que de novo enfraquecerei, temendo menos a morte do que não voltar a vê-la. Assim seja, pois sempre assim tem sido. E pois que até a senhora do café, à porta do estabelecimento, a olhou longamente, exclamando-me depois: "Bendita chuva!".
Caramulo, tarde pluvial de 16 de Agosto de 2006

9 comentários:

  1. Esperada e descrita assim, é efectivamente “Bendita”. Excelente.

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  2. Gosto de ler e ser surpreendida no final. Este foi assim...nem pensei na chuva enquanto lia!

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  3. Brilhante. Faz meses que leio, aqui no blog, todas as publicações do Daniel: genial.
    Já escrevi vários comentários por aqui: identifiquei-me sempre através de um sorriso. Talvez te lembres de um anónimo que sorria sempre. Não simpatizo nada com essa coisa do anónimo, mas era um modo prático de inserir o comentário.
    Depois, parei. Não gostei do clima dos comentários. Agora está de novo belo e sereno.
    A tua escrita é genial e leio tudo com um prazer indizível, repito, repito.
    Um grande abraço.
    Paulo Prudêncio (resido nas Caldas da Rainha e já estive contigo umas duas vezes - num casamento e no lançamento de um livro, em Pombal -)

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  4. Paulo Prudêncio: o teu sorriso é sempre bem-vindo. Muito bem-vindo.

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  5. Daniel: eu também pensei que a ideia era essa!! Se não fosse, possivelmente não gostaria do que escreves...

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  6. Desde ontem que sinto a compressão de dizer alguma coisa..."Que lindo!" parece-me tão pouco que tenho hesitado, mas não me ocorre mais nada, e preciso do alívio de dizê-lo.

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  7. Cumprimento-o de novo e sempre, pelos seus escritos. Neste país tristonho é bom que alguém nos envie pequenos mas deliciosos sorrisos. Como foi o caso de hoje.

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