A missão secreta é merecer, em pleno outono, o inverno que talvez venha.
Merecê-lo entre casas de pedra e ruas de ar negro.
Ir sendo um homem na construção desse conventual inverno eventual.
Num lapso quântico, a fulguração do fontanário entre o canavial e as alminhas.
Um prato de cobre na face da árvore.
Uma árvore tem quatro lados e tu só podes um.
A árvore amestrada, assustada, tu seco, o rio seco, tu assustado sem mestre.
A enumeração fluida, minha velha amiga.
A tristeza sumptuosa - vermelhágua incolorosa.
Deixar tranquilo o dispositivo sexual.
Ser apenas um homem que trabalha o seu mesmo merecimento.
2
A figura feminina
de astro feita alabastrina
convoca o rumorosmos
cosmicalada.
Cadecadente, imperial.
Fulgurosa, astral.
Masturbada opalina:
a figura feminina.
Masculastra, meteorológica,
solar, lânguida, pluviológica,
ginotrópica, antropológica.
E com seu quê d'inda menina?
A figura feminina.
3
Penso pelo cabelo.
Dunas pisadas de erva incomestível.
Ansioceana vizinhança.
Um meio passo de dança.
Agora é que é de ir à praia.
Num saco de pano
um pão, um peixe, uma saciedade:
devolver tudo ao mar,
ficar careca.
4
Eu não sou brasileiro.
Eu não digo "falar" quando é "dizer" que dizer quero.
Dizer é outra coisa que falar não diz - só fala.
5
O meu pai comprou-me Chomsky sem saber, nem eu, quem o Chomsky era e dizia.
O meu pai comprou-me tudo.
Mas foi de borla que me deu o dia.
6
Bolos secos travados no sabor pelo limão.
Água de chá, morna no coração.
O pardalibertado, no quarto do ano 1981.
Este ano, outro inverno
- mais um.
Augaciar, Botulho, noite de 12 de Setembro de 2005
Parece João Miguel Fernandes Jorge.
ResponderEliminarAi parece, parece.
Mas não é.
ResponderEliminarÉ Daniel Abrunheiro, no seu melhor.
Naquele seu esplendor literário que não se parece com mais nenhum outro, que não o dele. Que não ele.