quando a noite traça o risco, à noite.
Cada dia não é uma moeda que se perca.
Não é uma coisa gasta, à noite.
Eu falo assim porque sei.
Tenho uma caderneta de meses, colo pelas
costas os dias, quadrado a ano, ano a quadrado.
Era uma vez quantas vezes forem precisas.
As informações sociais são peremptórias:
as pessoas adoecem, súbditas, de súbito.
Um primo por afinidade da minha irmã
começou registando uma constipação longa.
A irmã dele fez chá com mel cortado de limão.
Mas era um cancro nas mucosas.
Cheguei a ver uma fotografia dele.
Era antes do cancro.
Um rapaz normal: um cidadão.
Zinga, já está.
De modo que temos de chegar à noite
portadores de uma história nova.
Sabedores de fresco, contadores de ribalta.
Na longa tarde dos pátios infantis, a bola
de borracha tocada contra a parede.
A sucessão dinástica dos cachorros e dos gatos.
A vizinha de cima alimentadora de um papagaio guatemalteco.
Alguém nos deu atenção, alguém nos espera.
Só temos de levar-lhe alguma mercearia.
E uma história.
Que foi que fizeste hoje, fiz isto assim assim.
E tu.
Tudo isto é um bem de primeira necessidade.
Não podemos poupar.
Fora disto (mas nisto) ando a escrever uma coisa que
começa assim
"Eu tenho dias, talvez anos."
Todos os dias me conto essa história enquanto
se me não acaba a história,
o contar.
Tenho uma moeda, vai ser noite,
mas tenho uma moeda, mas vai ser noite.
Caramulo, tarde de 21 de Junho de 2006
Eu também faço os possíveis para ter "uma história para contar/quando a noite traça o risco..."
ResponderEliminarDia sem história não é dia, mesmo quando "tenho dinheiro".
"Mas Eu Tenho Dinheiro" recupera o tema clássico com uma modernidade do caraças.
Isto é que é esgaravatar nos fundamentos da nossa civilização.
Um abraço,
Manuel Barata
Abraço, amigo: o mais grato de tudo isto é encontrar pessoas. Olha, como tu.
ResponderEliminarD.
Bom texto, Daniel
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