30/06/2009

Pina Bausch (Solingen, 27 de julho de 1940 — Wuppertal, 30 de Junho de 2009)

Versão ao vivo (2007) de uma das melhores canções pop que por aí (ainda) andam: Sowing the Seeds of Love, dos Tears for Fears

Olhai e ouvi bem que dois

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (9)

9

Pombal, entardenoitecer de 26 de Junho de 2009

De ter atravessado árvores, o ar chega purificado à respiração.

É de capitosa brandura e doçura especiosa.

É, também, a mais transparente bandeira do País.

Consigo sem esforço amar a indiferença das ruas, a flor azul-clara daquele prédio, o cedro descomunal da Escola Secundária, as ancas estreitas da mulher com ar de professora afastando-se para oriente.

A minha camisa é de estampa azul-quadrada-branca. Levo-me em sapatos castanhos. Ouço vozes sem gramática, sinto eflúvios de padaria, registo a realidade de uma rapariga de cabelo muito preto. Lá vai ela à (v)ida dela. Depois, uma chávena de café muito quente num estabelecimento sossegado de bairro. No jornal, os crimes nacionais e a morte mundial de Michael Jackson, que quase oblitera a de Farrah Fawcett.

De onde quieto viajo, folhas de jornal e folhas de árvore vista pela vidraça. A estas, treme-as o ar bom do fim de tarde. Esvai-se o sol em uma serenidade que contagia o par de cães públicos, a velha dos sacos, a ciganita que come um gelado de morango e a escrita que posso.

Ganhei o dia ouvindo jazz e consultando publicações antigas. Fiz comida, tratei das gatas. Antes de sair à rua, passei-me por água morna e atendi o telefone antes de me meter na camisa azul-quadrada-branca.

Mantenho as cartas do passado. Tenho-as aqui. Mensagens festivas da senhora Júlia de Santa Luzia. Uma missiva extensa ao senhor que foi irmão de Maria, José, Joaquim, Alberto, António, Arménio, Serafim e Laurinda. E outras mais, outras ainda. A magia destes papéis envelhecidos. Os mortos que os escrevem, os mortos que os lêem. As vidas dos vivos atravessando as dos mortos: como o ar, as árvores. Os vivos, leitores de cartas: epistolares, astrais, de jogar. Tenho aqui as de que me apropriei. Toco-as como a flores, a lenços de perfumar. São monumentos frágeis e obstinados. Também são, por si mesmas, o Tempo. Vão rareando, substituídas pelo correio electrónico e meios afins.

Veludos fátuos que a noite veste. Comedores de bacalhau descalços em casa. Cordões de água atando as sombras das matas. Crianças que vão flanelamente adormecer. Açucaração polvilhante de pálpebras, de estrelas na toalha hirta do firmamento. Humanidade das ruas esvaziadas, cães rápidos, igrejas todas face dura. Estampas chinesas de folha aérea, seda respiratória. Atenção da Lua às suas coisas. Mundialidade da solidão. Cidade e noite, noites e aldeias uma a uma: um dia de cada voz. Trabalho vertical das árvores, dos postes, das ameias, das estátuas. Rumor druídico dos objectos da casa. Floresta ideária dos sonhos. Cama, rua, castelo, cómoda, cão, tapete, Lua, bacalhau. Tradução em pedra de floresta. Levitação dentro do coração. Ar têxtil, benévolo. Matrocínio metafísico do chão. País comum a cães, mansardas, faces, crepúsculos, cartas. Cores voadoras, altíssimas, venturosas. Comunidade das plantas de vaso espreitando para baixo quem passa. Formigar biológico da comida de reserva. Consecução por vida de cada livro de reserva.

29/06/2009

Tom Waits - Chritmas Card From a Hooker in Minneapolis



Apesar de o público se rir imbecilmente onde pensa que é para rir, eis um grande momento (mais) do enorme Tom Waits.

28/06/2009

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (8)

8

Pombal, fim da tarde de 15 de Junho de 2009

Pelo começo do fim da tarde, o ar embrulha-se de electricidade que chega aos nervos.

O mundo aparece como suspenso de si mesmo. A energia é quase uma força malévola. Estamos como para chover. A tensão local é ctónica – ansiedade de refresco zéfiro, de uma massa fria que temperasse. Acontece um pouco de água vertical, finalmente.

Anamnese. Placebo. Homeopatia. Convenção. Código.

Antes do trabalho da noite, sessão de leitura do jornal da véspera. Café quase vazio, entre as seis e meia e as sete da tarde. Advesperascit, como aprendido em Phyllis Bentley. Agressões a polícias. Esfaqueamentos na linha de Cascais. Irrelevâncias estatísticas. Papel.

Depois, na noit’agora. Uma sala higienizada, iluminada a branco. Mobília fórmica. Instrumentos, máquinas, apetrechos, acessórios. Fluxo de informação. Planos super, justa e infrapostos: palavras alheias filtradas pelo manancial íntimo, onde a fusão nuclear se dá linguagem a ponto de ser-lhe-se siamesa. Trabalhos sinónimos da mesma hora que os subjaz. Operações ubíquas: as vidas por todo o lado. Nesta sala, oito pessoas. Face aritmética, contabilidade humana, rol e ror. Entre faces, fluxo de comunicações, abordagens mais ou menos providas de técnica & manha & competência & conhecimento.

Democracia das fisiologias: ciclo instrumental das vivências, nutrição, assimilação, evacuação. (Por exemplo: um dos meus ofícios é respirar – trata-se de uma auto-remuneração, a prazo: como todos os ofícios e como todos os salários, a prazo.)

Como frases de música, manam na tarde que acaba as fluorescentes nomenclaturas: Joaquim Agostinho, que vi passar (isolado, claro, primeiro na fuga, claro, de camisola amarela, claro) rumo à Figueira da Foz pelo túnel da Estação Velha; Ibraim, Costeado, Romeu, Abreu e Jesus (antes dele na baliza, Rodrigues), todos do Vitória Sport Clube; Carlos Cano e Joan Manuel Serrat, entre cidades com mar e cidades sem rio; Gaudí, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, homens proprietários de lápis e de linhas; manteiga Primor, gelados Águia, pastilhas May e Pirata, Bic Laranja e Bic Cristal; gasosas e laranjadas Buçaco, Serranita, Laranjina C, Fruto Real, Rical e Superfresco; cervejas Marina, Cuca, Clock e Cergal; aquele desenho de Steinberg; Tony Weare, insuperável na informação infante; Cristovam Pavia, J. H. Santos Barros, Oliveira Marques, Joel Serrão, poetas e historiadores; isto tudo ao mesmo tempo e no Tempo Mesmo.

Um rio passa e é, em banha de prata, que o toma a seda lunar. A hora filtra árvores em as margens – e o sono dos animais metaboliza até o açúcar dos frutos. Somos todos por cada um. Estamos a atenção interior. É a memória nascitura: em pragmatíssima magia. Cada pessoa. A cada pessoa, seu bosque e seu rio. Fábrica de páginas, viver través. Uma espécie de enternecimento ante o cadastro postal, os despojos dos nomes, as sombras transparentes em escritura, fotografias das crianças, objectos (chinelas, púcaros, enxadas, lenços) que os velhos deixaram pela casa, o rio lustral de argênteo luar entre tintas-da-China: bosque, animais dormindo, máquinas quietas, música cromática, fortuna do íntimo cinema.

Os senhores Nunes, Paula, Pimentel, Carvalho, Ribeiro, Catarino, Gonçalves, Alcides, Abílio, Rogério, Ernesto, Sério, Barbosa, Morais, Pinto, Botelho, Daniel, Maricato, Manuel, Quintas, Augusto, Pais, Sacramento, Amaro, Elói, Borges: eram da minha rua, já lá não moram senão de nome, são do bosque, adormeceram, o rio é e passa. As senhoras Rosário, Ana, Edite, Odete, Armanda, Maria do Sol, a Mãe do Pedro Amaro, a Mãe do Victor Doutor, Teresa – eram, adormeceram, eram senhoras que o luar tomou em casquinha, falando escuramente as águas (tamisadas, matizadas).

Infâncias como nuvens: massas esparsas, esgarçadas, luminotécnicas, altas. Distraídos gestos vivos repetindo (prolongando, pois) os mortos. Atavismo, instrução, verões comuns no progressivo inverno pessoal. Gambiarras eidéticas, fundamentos portáteis de tanto menino envelhecendo, de tanta velha que menina foi.

David Hercule Poirot Suchet



David Suchet fala da voz como construção da personagem (neste caso, para um vídeojogo de Crime no Expresso do Oriente. Admirabilíssimo.

Leo Kottke - Vaseline Machine Gun

Hugh Laurie parodia Bob Dylan

Händel: Triunfo do Tempo e do Desengano


Georg Friedrich Händel
Il trionfo del Tempo e del Disenganno, Voglio tempo

Natalie Dessay: Soprano
Ann Hallenberg: mezzo-soprano
Sonia Prina: Contraalto
Pavol Breslik: tenor

Emmanuelle Haïm y Le Concert d'Astrée

26/06/2009

Se beberes, não conduzas OU Se apanhares a cabra, vai de bicicleta

Memória desportiva nacional via Sporting

Um excelente sítio para revisitar a memória desportiva portuguesa: http://armazemleonino.blogspot.com/.

Jazz rádio-net

Um bom sítio para ir ouvindo (bom) jazz enquanto se trabalha: http://www.jazz.fm.
Já está nos Links da Malcata também.
Não apenas e só os monstros sagrados e consagrados. Também gente como Freddy Cole, Dave Ellis, Ruby Braff & The Flying Pizzarell, Ray Brown & Monty Alexander & Russell Malone, Michael Kaeshammer, Ray Hargrove, Phil Woods, Jeff Healey, Barry Harris, Carl Allen & Rodney Whitaker, Richard Whiteman e muitíssimos/as mais.

BD segundo Domingos Isabelinho

A partir de hoje, nos Links da Malcata aqui do Canil, a BD pela visão crítica especializada de Domingos Isabelinho: http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com/.
Retirei de lá imagem, que representa o criador Art Spiegelman (autor de Maus)
em Auschwitz, Dezembro de 1980.

Um primo na praia



© Saikiishiki

FINALMENTE REVELADA (E SEM UMA ÚNICA PALAVRA) A DIFERENÇA ENTRE PROSA E POESIA

Rosário Breve nº 109 - O Ribatejo - www.oribatejo.pt

Entregues ao(s) bicho(s)

O lobo agora não faz de lobo, faz de cordeiro. Mas só até às eleições. Nem por isso, porém, deixamos de estar, na mesma, entregues aos bichos, a saber: o asno que nos leve ao burro carregado de livros, o porco com gripe, a vaca louca por sopas de cavalo cansado, a pulga atrás da orelha, o cão com dono que não ladra mas morde a cadela apressada, o gato frio por lebre escaldada, o rato de automóveis, os bois pelos nomes atrás do carro, o touro pelos cornos, a ave de arribação, o pássaro na mão e as gaivotas em terra, o macaco no seu galho de imitação, o leão da Estrela, o tigre da Malásia, o porquinho da Índia, o salto de pardal, o camaleão vital, a pescada de Janeiro e o bacorinho de S. Martinho, a marmota de rabo na boca por onde morre o filho de peixe que não sabe nadar, a sardinha da matança que puxa a brasa à galinha da vizinha, o carapau de corrida, a joaninha que voa voa (e o lobo a fazer de cordeiro em Lisboa), o caracol de pauzinhos ao sol, o menino e o borracho, a formiga que fuma cigarras, a bota da perdigota, as moscas de apanhar vinagre, a ovelha local que não berra para não perder o bocado autárquico, os carneiros contados da insónia, o carneiro do patrão quando está com a mosca e a cabra-cega da mulher dele, a girafa de litro para esquecer o elefante da memória e o romance da raposa lido a mata-bicho pela manhã antes que se faça tarde e seja noite.

Não, o lobo por agora não faz de lobo. Faz de cordeiro cordeirinho, de mui manso mui mansinho. No Outono, todavia, o cair da folha reerguê-lo-no-á. Outra vez lobo. Tão mais feroz quão mais ferido.

E se não formos nós a pagar por ele, serão os nossos filhos, se não souberem nadar como o bacorinho do S. Martinho.

24/06/2009

FALAS DE CÃO DE ALDEIA (3-6)

3. SE HOUVE MORTOS

Se houve mortos, há-os.

Fazem parte, ocorrem sem culpa nem vontade.

A aldeia é também de mortos, cada um é seu pensamento nele, de todos.

As casas funcionam como cor, como estrelas rupestres, como cavernas cósmicas.

Os animais funcionam como angariadores do crepúsculo, suportam a piedosa mentira do regresso, têm tudo a ver com as rosas, as hortênsias, as madeiras, os outros em um.

O rio dentro, vivo nos mortos, nas pereiras, multiplicador de aves que sobem fundo a terra aluminiada.

Diz-se aldeia, universo dito: um acampamento de luz em veludo vegetal, com nomes transparentes deixados a escuras mãos.

Se houver vivos, onde as veias abertas, abertas como aves no alumínio dos arrozais.

Preso, profundamente livre por finito.

Todos os mortos são o mesmo animal.

Todos são inocentes como raparigas, azuis de mãos brancas como senhoras.

Se como um rio um coração é.

Que como um pensamento de todos um tem.

Aldeia, corpo de cal e terra e mãos de animais brancos, senhoris, cósmicos, presos, fundos.

Essas aves onde até um cão é alto.

E cada agora como a eternidade possível.

Capela tão pobre, a nossa morte.

Não é tristeza, é a radiação.

Não é se chove ou faz sol, é o Tempo.

É os nomes nas mãos, o cão na voz, a passagem de raparigas toda olhar.

Ser visto vindo, vivo, dentro, com os mortos e os nomes e as madeiras.

4. ESTA LOUCURA SERENA

Esta loucura serena chamada atenção, esta mansa obstinação da vida em aldeia, este pensamento (este passamento) que compreende árvores, ovelhas, abelhas, passagem, frutos, casario.

Mais uma espécie de festa da alba, esse reforço da presidência do céu, em língua de luz aquosa, fímbria de água de sabão, branco, cinza e azul, despertos lentamente os animais já, já novas as rosas de novo, entre hortênsias.

Despojos infantis juncam, agora antigos para sempre, a praia do Tempo.

Crianças encanecidas e rejuvenescidos mortos do nem voluntário ter sido.

Isto de ser em dor mansa imensa.

A simultaneidade da magia e do real no mesmo animal, um em todos.

Economia, geografia, calor, dimensão, entidades povoadoras do deserto dentro.

Um rio lambendo os pés do laranjal, a ponte de pau varando o ar, a tarde enciclopédica que compreende o universo na aldeia, entre a mata e a linha de casebres com anexos para os animais, todos menos as aves e os peixes.

Nomes são o que sobra do ar que varre a terra, entre mortos e vivos, abelhas e ovelhas, entre hortênsias e rosas, lugar do cão no universo, atento e conforme.

Equivalência planisférica da animalidade, da aldeia a si mesma outras todas, uma.

Mancha de pinhal, sombra de lobos, ferros usados em agricultura, concentração de força na pele, luz nos ossos, radiação carnal, vias traçadas a dedo errante, alminhas, oliveiras pensadas por hortênsias, água na fonte à boca do rio vertical, molhadas as raparigas, em lances oblíquos.

Laranja, figo, morto, cão, casal, estrela, via, mata, rumor, simultaneidade, tudo participa.

Pode ser dito de outra maneira, de mesma loucura e em serenidade.

5. QUE O AMOR É TRISTE EM PESSOA

Que o amor é triste em pessoa, um amor de pessoa, como se diz na aldeia.

Que é um acontecimento sem tempo, rosa todo e sem água.

Que embate nas oliveiras, treme e teme as mãos escuramente.

Que não basta estar morto para não ser dele.

Que é como em aldeia seca sofrer o mar, um rio sendo tudo, imitação possível de mar, de amar, de ser amado em árvore dentro como estrela.

O casebre pessoal que cerca o amor, em pó.

Que à terra torna o céu e suas coisas: ovelhas-nuvens, rosa-sol, mortos-vivos, senhor meu e minha senhora.

Na aldeia o amor é como o domingo em cheio no coração.

E um domingo de aldeia é a tristeza em pessoa, que muito equivale à deseternidade de Deus, ao fulgor da febre, à propedêutica passagem, ou seja, a solidão a vau, o pensamento.

Que o amor é aonde não chegámos, que é de onde não chegámos a partir.

Estão aí os apeadeiros ferroviários para no-lo mostrar, de passagem quieta são o motor e a desolação.

Que ninguém vem nem sai daqui, um, da aldeia, mesmo.

Em alternativa, amar o natural, dele o xadrez de troncos, ramos, seixos, sombras de aves, espasmos em cor da tempestade que queima o ar da respiração e o amor que sitiou o coração.

Amar a fadiga humana das ovelhas que tornam, delas a cabisbaixa maternidade, os cordeiros que lobos sonham em sombra.

Uma vez na vida, não pode ser igual o amor ao amor de que nascemos, nós o cão, nós as hortênsias, nós as casas em estrelas, nós as aves pintalgadas em paleta, nós em magia, nós cada um só, mesmo.

6. AQUÉM DE MIM O MEU CORPO

Aquém de mim o meu corpo além de si, adereço da aldeia do mundo.

Vivo, compenetrado, apreensivo, compreendido pelo rol inumerável e enumerável da vastidão: cosmos íntimo, entre bactéria e estrela.

O sono aumenta a abóbada, fá-la ondear em vibração, torna parentes o som e o ouvir.

É um éter vibratório: a luz, o sentir.

Instância azul, lavada a chuva e a sabão, a face do céu é toda telúrica, pele de encerada seda para tecto de animais e de ideias.

Um corpo para o mundo todo, um corpo para também ser, para pertencer também.

Erva, linguagem, o regresso crepuscular dos mais pobres deuses, os animais.

Os cursivos lobos furtivos, como os mortos, os nomes, as veias verticais da mata, o rio de alumínio.

As mulheres ovelhamente singrando cores e campos e trabalhos e sombras.

Os homens humanamente estrelando animais e casas e trabalhos e sombras.

Encanto, magia, serenidade e rio.

Nenhum mar que não de nuvens-ondas.

Nenhuma terra além do (m)eu corpo, entre hortênsias.

Além, o olhar que se mente regresso.

Partida alguma, mas laranjais, mas açucenas que como sinos soam no céu.

Os mortos dentro do coração vivo, alguém, dentro, dentro.

Profundamente futuros, os corpos, os mortos, os lobos, o sol e a lua, as casas ditas a branco para uma cegueira estelar, nebulosamente vistas.

A vau a vida, uma paciência de água, um vento de palavras vindo vivas, aquém-corpo-cão.

E o heroísmo da abnegação, em o Tempo sendo cinza e madeira.

Água que musica os sonhos em cinema, filme dentro da visão dentro, pensada música em cor, visão da pele entre árvores, leite de figueiras, de ovelhas.

Carbono, crómio, manganês, níquel, molibdénio, vanádio, tungsténio: para um coração inoxidável.

3. SE HOUVE MORTOS

Pombal, tarde de 19 de Junho de 2009

4. ESTA LOUCURA SERENA

Pombal, manhã de 20 de Junho de 2009

5. QUE O AMOR É TRISTE EM PESSOA

Pombal, tarde de 20 de Junho de 2009

6. AQUÉM DE MIM O MEU CORPO

Granja, tarde de 22 de Junho de 2009

Uma rica rapariga - holandesa voadora: Trijntje Oostherhuis


Ella não precisa de comprar-se amor, nós damo-lho, nós damo-lho incondicionalmente

Também Montreux, também em 1969, só há uma como Ella

DE MONTREUX, COM AMOR E FUMO


No YouTube, um senhor chamado Gioni, além desta apresentação, remete para informações da Wiki a propósito de aspectos históricos do muito histórico Festival de Jazz de Montreux. Por exemplo, que o célebre tema "Smoke on the Water", dos Deep Purple, se refere ao incêndio que destruiu a sala onde actuavam, em Montreux e para o Festival, Frank Zappa e os Mothers of Invention. O porquê do fogo, em Dezembro de 1971, está explicado na letra dos Purple.

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NO VÍDEO:

Colosseum - Valentyne Suite

Recorded live at Montreux Jazz Festival, Switzerland, June 22, 1969.

Track 1 - Valentyne Suite :
)Theme one : January's Search
)Theme two : February's Valentyne
)Theme Three : Beware the Ides of March *(Incomplete)
(14:49)
Composed By Dave Greenslade and Dick Heckstall-Smith

Artists:
Dave Greenslade - Organ, Vocals
Dick Heckstall-Smith - Saxophones
James Litherland - Guitar, Vocals
Tony Reeves - Bass
Jon Hiseman - Drums

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REFERÊNCIAS:

Important historic fact about Montreux Casino which held Montreux Jazz Festival you might want to know (from Wiki):

Montreux Casino (Casino de Montreux) is a casino located in Montreux, Switzerland, on the shoreline of Lake Geneva.

Montreux Casino was built in 1881 and had modifications made to it in 1903. Throughout the twentieth century, the site played host to many great symphony orchestras and well-known conductors. By the late 1960s, jazz, blues and rock artists began to perform there.

In 1967 the Casino became the venue for the Montreux Jazz Festival, which was the brainchild of music promoter Claude Nobs. The festival was held there annually and lasted for three days. The highlights of this era were Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Bill Evans, Nina Simone, Jan Garbarek, and Ella Fitzgerald. Originally featuring almost exclusively jazz artists, in the 1970s the festival began broadening its scope, including blues, soul, and rock artists. Some notable rock acts which performed at Montreux Casino in these years include Led Zeppelin, Pink Floyd and Deep Purple.

In December 1971, Montreux Casino burned down during a concert by Frank Zappa, after a fan had set the venue on fire with a flare gun, reducing it to ashes. Claude Nobs saved several young people who, thinking they would be sheltered from the flames, had hidden in the casino from the blaze. A recording of the outbreak and fire announcement can be found on a Frank Zappa Bootleg album titled "Swiss Cheese / Fire" English rock group Deep Purple subsequently made Montreux famous with their song "Smoke on the Water", which tells the events of December 1971:

"We all came out to Montreux on the Lake Geneva shoreline / To make records with a mobile - We didn't have much time / Frank Zappa & the Mothers were at the best place around / But some stupid with a flare gun burned the place to the ground / Smoke on the water, fire in the sky"

The Casino was subsequently rebuilt, and during the interim the Montreux Jazz Festival was held in other auditoriums in Montreux, until it could return to the newly re-opened Casino in 1975. The Festival continued to be hosted there until 1993, when it moved to a larger Convention Centre located approximately one kilometre from the Casino. From 1995 through 2006, the Festival occupied both the Convention Centre and the Casino. Beginning with the 41st Festival in 2007, nightly performances of headliners were again moved mainly to the Convention Centre, although the Casino still hosts the odd one-off show.

21/06/2009

Nada mal, a moça, o canto da moça

A Irlanda tem Danny Doyle para cantar o Emigrante. Nós tivemos a Linda de Suza e, agora, temos o Tony Carreira. Cada povo tem o que merece, portanto.

O Verão - modo de usar segundo a Agostinha

21 Junho 2009, no sofá da varanda

Estes gajos são bons todos os dias e todas as noites: Gaiteiros de Lisboa

Envelhecer bem é uma arte do caraças

Um Senhor dos grandes: Jeremy Brett- The Wogan Interview, part 1

Documento: AREA em 1977

Não tem nada que saber: Pasión Vega y Maria se Bebe las Calles

Quando era miúdo, este senhor aparecia muito lá em casa

Falsificação

Comentário anónimo mas atento fez-me chegar esta ligação:
http://urbanlegends.about.com/library/bl_photos_gol_737_crash.htm

Parece que a rapaziada se diverte a fazer falsificações a atirar para o comovente, o trágico, o coiso e tal. As tais fotos do desastre da Air France (ver em baixo), parece que já serviram para outras tragédias. É o mundo da net: a mesma humanidade maluca, mas agora com meios ilimitados. É giro, enfim.
E também serve de sinal de alerta quanto à nova moda: a do "cidadão-repórter". Recebe-se por correio electrónico uma imagem, uma informação etc. sem garantia de origem - e tende-se a acreditar. Já com o Gutenberg, em geral, e com o extinto Jornal do Incrível, em particular, era a mesma coisa.

20/06/2009

Imagens absolutamente finais (mas falsas, ver em cima)


Estas imagens correm agora mundo. Mão amiga mas enviou. Não posso garantir a sua veracidade. Inclino-me para acreditar no que parecem ser: as últimas imagens da tragédia do avião da Air France com destino ao Brasil. Junto infra as duas mensagens que acompanhavam estas fotos.

ESMAGADOR !! Últimas imagens da Cabine do Airbus A330. VEJAM !!!!!!!

Imagens de cortar o coração..

Últimas imagens da cabine do A 330, que se afundou no oceano , interrompendo para todo o sempre a ligação que era suposto concretizar entre o Brasil e a França.
ALGO SIMPLESMENTE ATERRADOR, por nos vir DEMONSTAR (veja-se que estão de máscara já posta) que SOUBERAM e ESTAVAM CONSCIENTES DO SEU DESTINO !!!!
Fiquei sem palavras ao ver as 2 últimas imagens deste voo.
Leiam o texto abaixo para terem uma ideia de como tais imagens chegaram até nós.
Este documento encerra , em minha opinião,a demonstração de duas coisas :
- As novas tecnologias permitem deixar registos que são esmagadores e brutais, pela sua crueza factual ; e
- Que cada vez estamos mais debaixo do olhar (para o bem e para o mal) de um imenso e omnipresente "Big Brother".
Dear Friends,
Feel so sad for all the passengers including the extraordinary photographer,
who kept his cool even in the last moments of his own life and took these
photos.

The world saw the disappearance of an Air France aircraft during a trans
Atlantic flight between Rio to Paris .
Two shots taken inside the plane before it crashed.
Unbelievable photos taken inside the aircraft that was involved in the
crash.....

The two photos attached were apparently taken by one of the passengers in
the aircraft, just after the collision and before the aircraft crashed. The
photos were retrieved from the camera's memory stick. You will never get to
see photos like this. In the first photo, there is a gaping hole in the
fuselage through which you can see the tailplane and vertical fin of the
aircraft. In the second photo, one of the passengers is being sucked out of
the gaping hole.

These photos were found in a digital Casio Z750, amidst the remains in Serra
do Cachimbo. Although the camera was destroyed, the Memory Stick was
recovered. Investigating the serial number of the camera, the owner was
identified as Paulo G. Muller, an actor of a theatre for children known in
the outskirts of Porto Alegre . It can be imagined that he was standing
during the turbulence, he managed to take these photos, just seconds after
the tail loss the aircraft plunged. So the camera was found near the
cockpit. The structural stress probably ripped the engines away, diminishing
the falling speed, protecting the electronic equipment but not unfortunately
the victims. Paulo Muller leaves behind two daughters, Bruna and Beatriz.

Siga o seu dedo

FALAS DE CÃO DE ALDEIA (2)

2. TINE A AÇUCENA SEU CETIM



Tine a açucena seu cetim de cegarrega, grande é o sol quão pequeno o mundo.
Rostos de raparigas, água todos.
Todas raparigas-ribeiras que cristalinam orvalhos e lágrimas matinais, felizes, inconscientes.
Damas foragidas de pinturas azulam pela arrealdeiador, fragrantes, de muito brancas mãos, gotas de tinta que margaridam o ar do campo, a que me prende a vida.
Frígidas foragidas, damas-margaridas de além-dor: passagem da consciência do provisório da passagem.
Dentro onde as vozes instigam, crocitam, aquarelam, revivem.
Alguns mortos naturais.
Os ofícios doem nos corpos, inclinam-nos para a terra, sofrem o terror da esterilidade.
As mãos escurecem como madeiras, então, de onde vejo os humanos.
Sempre um rio esfaqueia a terra, que borbota arborescências, frutificações, pentes canaviais, prantos salgueirais, maravilhas de paleta cromadas a sol e lua.
A aldeia sobe o casario à noite, faz-se toda céu e diademas, lá onde não chega o humano nem o cão, as rosas, as mansas ovelhas do crepúsculo.
A vida é esta, é isto a vida.
Muito alongo o olhar à flor dos arrozais, à pele aquática deste árido mundo, sofro também em esterilidade, em escuras mãos.
Imagino homens dentro sós, todos eles um.
Vão é nomear a aldeia, que universal e pouca toda é.
Fremem as hortênsias, tremem as figueiras, faz-se cedo açúcar o sol, onde a açucena e onde a cegarrega, que viver é um estio, um só,

meu senhor.



Casa, Souto, tarde de 19 de junho de 2009

19/06/2009

Gosto destes gajos, não sei porquê

Boulez dirige Zappa




Fonte: http://soloboulez.blogspot.com/
E outros sítios muito bem frequentados: http://libroslibresmusicalibre.blogspot.com/
http://musicoclasico.blogspot.com/

FALAS DE CÃO DE ALDEIA (1)

1. O CÃO PRESO ENLOUQUECE ENTRE HORTÊNSIAS

O cão preso enlouquece entre hortênsias.

Oliveiras como estampidos de cinza, casebres vãos de madeira que desprende o tempo das pessoas dos casebres.

Aldeia universal.

Rosas de papel-de-lustre tinem moscardos, em jardins pobres e morais, onde a nossa vida é o que foi.

Certas vezes a natureza parece exortar a nossa vida, a nossa vida parece ter sentido, entre hortênsias, perto as oliveiras, enlouquecidas à calma.

A abóbada é de nuvens de aldeia.

Não é rica a capela.

O cão é rico, tem água e comida, mas é pobre como as rosas.

Cão tão pobre, a nossa vida.

A nossa vida universal-de-lustre, tão moscarda.

O nosso pensamento tão abóbado.

Nuvem de oliveiras calmas, capelãs, vivas.

Aqui não outros, meu senhor.

Aqui só estamos um.

Por vezes é noite de manhã.

Como ver o regresso crepuscular dos animais em fadiga.

As ovelhas que passam às rosas.

O pó que cerca os casebres pessoais.

As vias como veias abertas.

A nossa vida certas vezes.

Chapas de alumínio estanhando o ar.

Telhais envernizados de sol.

Fragrância que as ovelhas deixam, o cão.

Casais de um branco que a noite aumenta.

A presença das vozes como gente.

A gente como um vento de vozes.

A aldeia com voz de oliveiras.

A calma aluminiando o pensamento.

Rosas e ovelhas e humanos e o cão em simultânea aldeia de pensar.

A prisão aberta como as vias, as veias.

O universo é a mais local coisa.

Quando chove, quando um pensa.

Se as oliveiras pensam o universo em rosa.

Meu senhor, a aldeia é-nos por aqui.

Não se sabe porquê a terra, as nuvens por terra.

Escreve branco a capela pobríssima.

As ovelhas, as mãos das ovelhas escrevendo vento, vendo, vindo ovelhas velhas, vivas.

A nossa abóbada tão sol, certas vezes.

Chapas de verniz em a calma, meu senhor.

Sou todos os outros em os casebres fechados todos, dentro, preso.

Regresso ao pó pessoal, branco.

A voz de uma hortênsia por todas.

A vida aberta dentro, só dentro.

O que passa, quem não passa.

Olhos e mãos, mais animais em nuvem-de-lustre.

Uma fadiga atenta, crepuscular, uma só por todos, meu senhor.

A natureza das coisas da natureza das vias, certas manhãs à calma.

Noites de alumínio, o verniz lunar dando em película e prata, oliveiras a perder de vista.

Aldeia que é, em lustre, tão presença, longe.

Passagem pensativa, ao pó.

Passagem pensativa a pó.

Cão de verniz pensando hortênsias.

Por vezes é rosa, por manhã é vozes.

Um dos outros como nós um.

Abre e cerca, as nuvens da capela, dentro, em abóbada.

A vida da aldeia, o cão universal, a privada ovelha e

a rosa vermelha.

Granja e Pombal, manhã e tarde de 18 de Junho de 2009

Rosário Breve nº 108 - O Ribatejo - www.oribatejo.pt

CSI BdP

Assisti pela TV à prestação do governador do Banco de Portugal ante a comissão parlamentar de inquérito à rebaldaria do BPN. Estava sozinho em casa. Era para ver um episódio do CSI Las Vegas, mas acabei por ficar no Constâncio. Geralmente, prefiro o CSI ou os Simpsons. Dessa vez, porém, fiquei no Constâncio. Também gosto do Crime Investigação Austrália e do Poder, Privilégio e Justiça, só que fiquei perante o Constâncio. Há alguns programas antigos do canal RTP Memória que também gosto de (re)ver, ainda no outro dia deu o Tó-Zé Brito. A questão é que fiquei com o Constâncio. No canal TCM também é fixe, os filmes não são legendados mas são porreiros. O Constâncio, não sei se é porreiro, tirando o ordenado de governador e as mordomias para ser ingénuo. CSI propriamente dito, há três: Las Vegas, Miami e Nova Iorque. Os chefes são: Grissom (Las Vegas), Horatio (Miami) e Mac Taylor (Nova Iorque). O chefe do Banco de Portugal é o Constâncio. O RTP Memória não tem dado o McGyver, que fazia de um limão, sei lá, uma bomba de carnaval. Mas a SIC Notícias deu o Constâncio, que de uma bomba de carnaval faz um BPN, por assim dizer. Coisa cá muito da minha preferência é o Dr. House, que anda ali à volta dos diagnósticos mais malucos até que acerta e salva o paciente. O Dr. Constâncio, nem por isso. Também gosto da série ER- Serviço de Urgência, porque os médicos e os enfermeiros, apesar de americanos, são muito humanos. O Constâncio também, mas menos por causa do Nuno Melo. O Canal História antigamente era melhor, mas ainda se aproveita alguma coisa de vez em quando. O Constâncio, nem tanto. Tenho muita pena que o Nuno Melo se vá embora para Bruxelas porque sim. O Constâncio fica. O Constâncio está para o Banco de Portugal como, digamos, o Nicolau Breyner está para o cinema português: era melhor lá não estar, mas está sempre. Não foi só o Tó-Zé Brito que foi à RTP Memória, o Carlos Mendes também foi. E o António Calvário também. Não há maneira é de vermos o Constâncio só na RTP Memória. Ou no CSI, a contas com o Grissom, o Horatio ou o Mac.

Nous sommes tous nés à Toulouse - à cause de Monsieur Claude Nougaro



Qu'il est loin mon pays, qu'il est loin
Parfois au fond de moi se ranime
L'eau verte du canal du Midi
Et la brique rouge des Minimes

Ô mon pays, ô Toulouse, ô Toulouse

Je reprends l'avenue vers l'école
Mon cartable est bourré de coups de poings
Ici, si tu cognes, tu gagnes
Ici, même les mémés aiment la castagne

Ô mon pays, ô Toulouse

Un torrent de cailloux roule dans ton accent
Ta violence bouillone jusque dans tes violettes
On se traite de con à peine qu'on se traite
Il y a de l'orage dans l'air et pourtant

L'église Saint-Sernin illumine le soir
Une fleur de corail que le soleil arrose
C'est peut-être pour ça malgré ton rouge et noir
C'est peut-être pour ça qu'on te dit Ville Rose

Je revois ton pavé, ô ma cité gasconne
Ton trottoir éventré sur les tuyaux du gaz
Est-ce l'Espagne en toi qui pousse un peu sa corne
Ou serait-ce dans tes tripes une bulle de jazz ?

Voici le Capitole, j'y arrête mes pas
Les ténors enrhumés tremblent sous leurs ventouses
J'entends encore l'écho de la voix de papa
C'était en ce temps-là mon seul chanteur de blues

Aujourd'hui, tes buildings grimpent haut
A Blagnac, tes avions ronflent gros
Si l'un me ramène sur cette ville
Pourrai-je encore y revoir ma pincée de tuiles

Ô mon pays, ô Toulouse, ô Toulouse

16/06/2009

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (7)

Fotografia: © Sandra Bernardo

Pombal, 12 de Março de 2009

7

Casa, Souto, 14 de Junho de 2009

Nós e a nossa circunstância – e o nosso domingo existencial, onde a pessoa é cada uma pessoa.

Voragem e revoada: movimentos da mente, gente metalizada nas vias rápidas, ingerindo café-esferovite nas estações de serviço, suportando o absurdo com cartão de crédito.

Um de nós toca a memória activa do social-realismo do dinamarquês Anders Bodelsen, as pessoas comuns (ordinárias, ordinariamente) assacadas pela banca, pela moléstia comercial dos centros-lantejoulas, as flores de plástico, as improváveis tunísias da classe-média.

Outro de nós sofre ainda a vida-vinda à vila dos circos pobres: gente escurecida, leões asmáticos, crianças cristalizadas de ranho, banca-barraca de refrigerantes em lata, farinha frita, o vento batendo bandeiras de lona no ar que vai chover.

O cinema indiano, os rios que mostram às pessoas como ser antes o que depois é: tempo de Tempo: curso, percurso, decurso e discurso, os novos modelos automóveis, a galáxia imperial Paris-Londres-Berlim-Milão, o cinema italiano, o teatro sueco, o inverno dinamarquês, a profusão deíctica da cabeça, a fronteira mexicana, a gente jovem garageando imitações eléctricas do lerdo império pós-1945, orfanatos e falanstérios, escolas de cegos, de condução, de tradução, de estenodactilografia, excel & powerpoint-of-no-return.

Todo um domingo em uma vida toda, tocando com a água dos olhos o labor monástico de Oliveira Martins santificando o Condestável Nun’Álvares – e Eça dizendo do amigo que

“vivia então na sua linda e recolhida casa das Águas-Férreas. (…) aí viveu Oliveira Martins os seus dias mais doces, e escreveu os seus livros mais fortes (…) sem descanso, sustentado a café (…)”.

Tempo. Alimento e veneno. Pousio e fecundação. Horas não contadas na seara mental, em leitura ou em distracção, sabendo os ventos penteando as províncias, a pátria das coisas até onde o idioma é capaz, as crianças fulgurando nos quintais-estádios, a clivagem coragem-temor, nós vivos, sonhar serpentes brancas como leite, contraste dos cálculos diamantinos em frio veludo sideral, mais a doçura tremenda dos crepúsculos de Junho, festinhas de aniversário infante com champanhe a fingir.

Alguns de nós aceitam – e embarcam em – as intermitências narrativas, nutrindo de aparente inverosimilhança diegética o volume prosaico. É apenas poesia, porém – isto tudo –, portanto coisa real também, como tudo o que é, há, não é e não há. Nós ardemos brandamente Em-Ser. As antigas metáforas servem-nos preciosamente: Sono/Morte, Rio/Tempo. O planeta rebenta um dia – e nenhuma possibilidade de termos sido será. Descanso, portanto, portanto serenidade.

O domingo mobila-se de gatos, sedas vivas que andam a quatro numa elegância toda têxtil, felinas cortinas de mansidão dominical.

Por exemplo: rapazes ao lado da porta da Farmácia Donato, conversando sem pressa à doçura do entardecer. Derredor, o comércio costura as existências, a menina que se abastece de lápis na papelaria, o moço que sente vinilmente os greitastites da rádio na loja de discos (Supertramp, The Eagles, Fleetwood Mac, Creedence Clearwater Revival, The Tubes, April Wine, Rory Gallagher, Peter Frampton, Frank Zappa, Peter Tosh, The Yardbirds, Procol Harum e Alberto Ribeiro), as senhoras deliciadas a chá e biscoitos de canela na Central, as empadas como frutos ígneos, o senhor caixa bancário muito limpo, de gravata verdescura, de uma correcção gestual que chia como papel, o homem do quiosque separando facturas, o da Casa da Sorte fumando à porta a pensar no casamento da filha, o padre carrancudo que passa migueltorgamente entre autocarros, a Rua Corpo de Deus subindo humidades de bacalhau com grão-de-bico, o senhor Peres ourives ouvindo o noticiário desportivo do transístor a pilhas azuis, um dos rapazes da Donato dentro do meu coração, inquilino perpétuo.

Noite. Televisão. New South Wales, Austrália. Início da década de 70/XX. Baker, empregado temporário de quintas agrícolas, ex-recluso. Crump, comparsa de prisão, colega de trabalho e crime. Estrada de Narrabri. Um rifle. Simulação de avaria mecânica. Ian James Lamb dormindo à beira da estrada numa carrinha. O detective Barry Fay recorda-se de Lamb. Lamb é imolado a tiro, involuntário justificador do nome-anho. Bald Hill Road, abandono do veículo de Lamb. 1973, Melbourne, corridas de cavalos. Dinheiro para apostas? Vinte dólares roubados a Ian Lamb. Virginia Gay Hokke, Collarenebri, Morse por casamento, 35 anos de idade. Brian Morse. Noivos. Cônjuges. Ginny tinha 20 anos. Brian recorda-a. Casamento em fins de 1959. Collarenabri, Nova Gales do Sul: casa própria. Hoje abandonada. Então, casa de família. Brian e Virginia, três filhos: Eloise, Adrian e Robbie. Vivem em paz. Os anos passam. Allan Baker faz lista de quintas a assaltar. Rio Barwon, perto. Tinha havido tempestades. Brian não vai para os campos, leva as crianças para a escola, vai tratar de assuntos à cidade próxima, Moree. Os dois assaltantes penetram a propriedade. Tomam a senhora por refém. Também roubam três espingardas que havia em casa. Horas lancinantes para a senhora Morse. O primeiro nome de Crump é Kevin. O segundo é Garry. Rumo a Queensland. Virginia vai vendada. Implora a libertação. Crump guia, controla a quilometragem. Estão a 300 km de Barnarway. Param. Atam Virginia no mato. Cordas, pernas atadas a árvores. Violação por turnos. Quatro dias passaram sobre o assassínio de Lamb. Cadáver e carrinha continuam por descobrir à beira da estrada de Narrabri. Gourley, um trabalhador, descobre o corpo. Alerta a polícia. O detective Bull acorre ao local. Não há impressões digitais dos autores nem documentos para identificar a vítima. Noite à beira de uma estrada secundária. Bob Bradbury, superintendente de Sydney, é chamado. O senhor Morse telefona de Moree para casa. O pequeno Adrian diz-lhe que a mãe está ausente. Brian dá por falta das armas em casa, quando regressa. Começa a entrar em pânico. Rapto é evidente. Margem do Rio Weir. Os criminosos tiram a senhora Morse do carro. Repete-se a dupla violação. Decidem matá-la. Baker hesita. Crump dispara. Ou éao contrário? Atingida no rosto. Atiram-na para o rio. Queimam as roupas dela. Regressam ao acampamento em Bogorvilla. Intensas buscas por Virginia. Crianças do casal levadas para casa de vizinhos. Muita polícia, helicópteros até. Alan Doyle é um dos investigadores em acção. Muita gente a ajudar. A rádio colabora. A fotografia da senhora aparece nos jornais. Bruce Johnston, outro investigador em campo. O cadastro do ex-recluso Allan Baker vem à tona. Crump e Baker trabalham para disfarçar. Mas voltam a tentar roubar. Assalto corre mal. Polícia persegue-os. Perto de Maitland, a 160 km/h. disparam em andamento contra a viatura policial conduzida por Bill Millward. O agente é atingido, bala sai perto da têmpora esquerda. Sobrevive. Mais carros da polícia até Woodville. Tiroteio. Os criminosos ocultam-se para lá de salgueiros fluviais. Debaixo de água, respiram por juncos. São finalmente capturados. O canal faz intervalo para publicidade. Novembro de 1973. Tempo. História. A polícia verifica as armas apreendidas. Uma delas é uma 22. Steve Liebmann narra a história. Polícias seguidos por jornalista, vão até ao local do Rio Weir onde terminara a senhora Morse. Percepção do sofrimento suportado pela vítima. Perturbação dos agricultores: mulheres e filhos costumavam ficar sozinhos em casa, ninguém sentia necessidade de trancar a porta. Collarenebri: serviço fúnebre, centenas de pessoas reunidas para última homenagem. Junho de 1975, o juiz castiga. Chama-lhes “animais obscenos”. Prisão perpétua. Recomendação de clemência futura nenhuma: “Never to be released.” Prisão de alta segurança de Long Bay, subúrbios e Malabar, Sydney. Anos passam, recursos acumulam-se. O governo de Bob Carr assegura legislação anti-libertações controversas. Animais estigmatizados. O viúvo sente-se reconfortado por saber que os algozes não poderão ser libertados. Não? Celebrar com dignidade a memória de Ginny. The End.

Mariposas: Sylvia Plath e Carson McCullers.

A data do hattrick de Rodney Marsh, aquando no Queens Park Rangers, contra o Birmingham City: 17 de Outubro de 1970. curiosidade: o guarda-redes do City, Mike Kelly, tinha alinhado pelo QPR entre 1966 e 1970, precisamente. E mais: o dia em que Marsh lhe marcou três golos era a véspera do seu 29º aniversário. Um senhor chamado Robbie Fields diz-me que Kelly casou mais tarde com a viúva do defesa-direito Dave Clement (1948-1982).

E – tanto tempo antes – Aljubarrota e Valverde, Frei Nuno de Santa Maria, hóquei-em-patins, corregedor de Santarém, um rapaz galês do mundo da canção chamado Tom Jones como aquele romance de Henry Fielding (que morreu em Lisboa a 8 de Outubro de 1754, um ano antes do Grande Terramoto), carreiras reinventadas, Van Helsing em Paris na dobra do século, mais coisa menos coisa, Sylvia em Londres, Carson ao impiedoso sol de uma main-street qualquer do Sul, a Kidman descalça pela casa de chão de madeira, fogo escuro na noite branca, ilusão pentagonal de uma estrela tida na infância por companhia, ler Drieu la Rochelle, ler Joaquim Paço d’Arcos, merecer o pão mental do sono.

Não tenho, claramente não tenho, quaisquer ilusões. Estou veterano, não sou feliz nem infeliz nem créu. Resgato datas e nomes do Rio: crimes, mas também bondades; selos, mas epístolas também. Recentemente, aliás, redescobri correspondências muito antigas. São cartas que me não eram dirigidas. Encontrei-as em móveis envelhecidos a cujas gavetas a infância não volverá. Lê-las-ei nos dias de Junho, na casa quase despovoada, em algum café de província dotado de abandono e sossego. Há uma magia nisso, sinto-a já por antecipação: ler palavras que não eram para nós escritas por alguém que não éramos nem fomos. Encanto melancólico dessa literatura ínfima e íntima, humildade e melancolia casam bem. Eu sou um de nós – e um de nós quer em mim ser uma espécie de arquivo municipal, um baú de couro onde cartas, crónicas, datas do futebol e dos crimes australianos, escritos de parede, de sentinas públicas, de prospectos, de posologia fármaca, de versos até. Varandas a dar para a vida, é isso. Bosques alinhados como pentes de balas, jogo claro-escuro do horizonte, serras a que desceu a constelação pobríssima do casario, Portugal través tudo isto por nossa condição. Desejo esta partilha – pátria universal, se bem que sozinha, de vozes, um pouco muito pouco antes de amanhã e de ontem, infinitesimal ontem.

Um homem chamado Trent, um chamado Queen, um Bentley, um Salgueiro, um Navarro. Os ofícios como grafias activas. O carpinteiro Miguel é entendido em alumínios e música. O filatelista Kaye trabalhou sempre nos Correios. Lautréamont é dos tais que mais são citados que lidos. Supervielle merece ser retrazido a lume: foi um poeta importante. A família Claro dava-se à panificação. O senhor Sacramento era madrugador, cinco e treze da manhã levantava-se ao canto do galo. O filho adolescente de Travolta morreu a um 2 de Janeiro, dizem. Jeremy Brett combateu corajosamente a viuvez e a depressão maníaca: luta, luta e lítio. “Trazer o Herculano ao peito” (recorda Oliveira Martins) foi moda no Chiado de Oitocentos e tal. O Convento do Carmo foi de difícil alvenaria. Uma sensibilidade por assim dizer radiológica à poesia do mundo. A cofragem é uma tessitura. A Hogarth Press, também. Um de nós deita-se comigo nos meus olhos, quando a noite afaga de flanela os pés. A posteridade não foi boa para Neville Chamberlain. Sabóia, Lorena, Alsácia, Floresta Negra, Ardenas, Dachau. E o golpe contra a fábrica de água-pesada na Noruega. Redes e redes de agentes, capítulos gélidos, casamentos desfeitos, cigarros sem filtro, Montgomery & Rommel, belas casas de madeira desenhadas no ar com quartos arrendados a viúvas de gajos da Marinha e a filatelistas celibatários aposentados dos Correios.

Bill Evans em 1964: a natureza armilar, por assim dizer armilar, da música fluindo matadora de toda a ânsia. Leve dança, por baixo, das cortinas da sala, que a respiração da casa quer tremular com silenciosa graça. Lembrança do Reduto Bar, do Café Combinado, da Casa de Pasto O Submarino, da Churrasqueira do Mondego – este corpo com menos vinte e cinco anos, o cetim das manhãs justafluviais, o público vigorando a cidade, polícias, pombos e estátuas, professores, caixeiros e cauteleiros, tremoceiras, ourives e velhos. Corpo cidadão, jovem, franco, perturbado já pela evidência descomunal da linguagem, da alvenaria eclesial, das lojas de panos coloridos, das putas à porta da torrefacção de café, ao Paço do Conde. O Nemésio de fins de 20/XX comendo o seu meio-bife no Café Santa Cruz, longe ainda do húmus último de Santo António dos Olivais. A correcção cavalheiresca de Bill Evans: por assim dizer, à Ribeirinho.

Canzoada Assaltante