20/02/2007

Seis Poemas para Atestar

1. É Domingo, não Rumoreja o Mar

(Algumas palavras podem ser úteis nesta ocasião.
Não negociemos sentimentos, só lápis.)


1
Às costas do corpo acorre a acidentada onda,
felaciosa beijadora espumando-se toda e
quebrada, ainda não morta de espraiada.
É domingo, não rumoreja o mar, só
as palavras dele sim: toldo, relógio, areia,
cervejarias sucessivas como balcões d’Hopper.
Alguns de nós em respiração.

Temos nomes perfurados como cartões antigos
de vetustos computadores hoje ridicularizados
pela mais modesta facturadora portátil
de vendedor de bebidas. Concedemos a Deus
o dom de nos clonar, nomes e corpos
a que não o mar mas as palavras dele
(e Dele) acostam para quebrar-se-nos, acorridas.

2
Visito mulheres velhas para receber.
Recebo, abandono o recinto, digiro e conto.
Elas são povoação ainda, povoamento que foram.
Habitadas por homens convenientes e defuntos,
não espermáticos já, não homens, favónios só.
Recebo a visita de homens velhos. Queixam-se-me
das mulheres amnésicas, não amnióticas já.

São mulheres com nomes de árvore.
São homens com nomes de pássaro.
Vão-se os pássaros, ficam as mulheres.
Perfuradas também porém, perfumadas embora.
Se estudaram, frequentam bares nocturnos.
Se não estudaram, lareiras à noite vigiam.
Iguais todas: facturadoras, rumorosas.

3
Não é possível conter as ondas do mar, nem
as fotografias sexuais da internet.
Falos-tortulhos incham em húmidos pubihúmus,
as tipas nuas como frangos, eles de capilosos
peitos. Pensamos indisfarçável o amor, entanto
é destas esgrimas que ele tine,
destas costas escumadas em jpeg.

Não por isto seremos menos clássicos.
Acuda-nos tão-só a mesura certa,
corajosa castidade da máscara
(O make me a mask, O Dylan Thomas)
mais o rosto ciente de seu mesmo lastro,
suas olheiras-de-mirandela, suas rodelas
de bebedor no bosque de leite.

4
Só deveríamos morrer de todo quando a liberdade
nos tocasse, final. Seremos livres quando, terminal,
o amor do vivido nos perdoar tanto domingo
malbaratado. Digo isto e não estou pronto para
morrer mais do que isto. Quebro prosas
em ondas cervicais, glorifémeras, lourifêmeas.
Não estou quase pronto para morrer disto.

Coralinamo-nos, horários, de uma eternidade avoenga.
Juro que o faço – e que vos topo fazendo-o.
Tenho-nos visto à lareira e aos balcões hopperáticos,
cantando como carrascos e como cisnes,
partidos os pescoços pela guilhotina dos shots,
depois não cantamos, só, sós, contamos
histórias que nem em blogs são individuais.

5
Homens há (ainda há) com mulheres
que deles fazem homens de si mesmos,
o que sempre é bom porque até nos países
em via de desenvolvimento, como o Nosso,
a demografia anda abrasada pela disfunção eréctil.
Certo, os bancos apresentam relatór&contas de
enormes lucros, mas não é por aí.

Por aí, é pelo nosso corpo – onde se fundam e fundem
as dicções morredouras – que vamos, sebastiões
de uma gama não de topo. Se acaso vimos
(ou tivemos) alguma avó cozendo broa, hoje
não é/há nada disso: há/é panikes e pânicos,
o medo de viver sem ter sido livre – de
morrer.

6
Aos domingos, não acodem os vendedores
que representam bebidas facturadoras e pânicos
e batatas fritas de pacote. Acodem sim os
rumores de um mar verbal zebrado
de emoções contidas a custo de muita educação.
Toca-nos o plenilúnio e a preia-mar.
Coçamos barcos e genitálias. Respiramos, alguns.

E somos. Nem tristes nem apóstolos. Alguns pêlos
que recusam nascer, tão-só, vulcando acnes
que já não são desta idade de caçar enfermeiras
em bares com lareira de flúor.
Mas alguns de nós andam entre a vila e a Village,
assomando-se modernidades velhinhas como o cagar.
Espaço e tempo para toda a gente-gente, ainda assim.

7
Aos cagadónaldes acorre o desquitado com sua cria
de empréstimo/15 dias, vist&ouvido o filme
disneydobrado. Deus com eles. Domingo anoitecendo,
onde a antiga ternura apesar de tudo presidente
(ou subjacente) à foda geradora, da cria, na
mesma cidade, de cinedónaldes e cagabúrgueres?
Ai o amor em Portugal.

Antes o mar. Nossa atlântica escapadela
de fazedores de mulatos, no sentido lato,
de pretos, no sentido recto, e de brancos,
no sentido tancos.
Nevoeigamas de sebáceostiões
de sonho. Antes a lonjura do mar,
longe ao perto e longe-longe.

8
Que isto apesar de tudo não é Bucareste.
Nem nada que preste, mas há menos jeepsis.
Limpando o olhar por um isqueiro como
pára-brisas, pára-zéfiros, pára-História.
Supervive o corpo enciclopédico na marugem babada
de limos dominicais, atenta a vila a tudo o que
seja esquecer, sendo escrever a excepção.

Que as piores putas são as que não recebem.
As outras – as boas – dão, vizinhas de gares
e de esgares – ferrogarerodoviárias,
muitas sim mas nunca várias.
Que as piores putas são as que percebem.
Calculadoralistas, (o)várias e concertistas
de sapatilhosposos e crias pianistas.

9
É domingo, não rumorejei o mar.
A memomarmórea, sim.
Falei de vós, que não de mim.

2. Quadras de Borla para o Clã Azevedo

Haj’ arroz em casa, haja sentimentos.
Que não falte nada a quem ou que somos.
São asas de frango e alho e pimentos.
E laranja pelada cortada em gomos.

Nada dunicéfes, só tv por cabo.
Ao fim e ao rabo, morre toda a gente.
O que tu começas, eu depois acabo.
Não temos de ser casal diferente.

Heroalcoóis dormem sem abrigo?
No cartão ao lado se estende um amigo.
As OPAs compensam o porta-moedas:
’tá tudo contente, o resto são merdas.

3. Oração do Pescador de Enguias em Valas

Lualguidar dos pobres remediados,
concede sartela d’enguias viscosas.
Nós temos na vida andado fardados
’té nas procissões as mais horrorosas.

Nós queremos peixe, mas, longe do mar,
nada fácil é pescar sem esperança.
Cagança nós temos, q’ o mais é pescar,
Depois ’diantar ’ma farta pescança.

Filhinhos pequenos. Velh’ a viver em casa.
Mulher zempregada, voando sem asa.
Só nos soçobra a pesca (doce, fluvial)
no rego que é cano industrial.
Tu, Deus dos artistas, que a todos bem guias,
Permite, senhor, meu balde d’enguias.

4. Querença

Quando acabar de matar as mulheres e
as crias das mulheres, talvez regresse
à pátria de homem sozinho.
Serei leão com cartão de biblioteca,
não cachorro apenas de cinemas itinerantes.
Eu quero que isto seja como dantes.

Quero por cima a Lua e, por baixo,
ovos estrelados lácteos e frios.
Quero não desconfiar-me de arrepios,
Griponstipação faz do corpo lixo.

Derivei na capital um mapa de bifanas.
No Porto assisti a merdrogas medrosas.
Eu já não vou em fins-de-semana.
Milhares de pessoas de facto horrorosas.

Eu quero Cacilhas. Barquito tossindo
gasóleo de margem laranja em flor.
Eu quero outra vez aqui o meu amor,
que a gaja é azul, é gaja e linda.

5. Tenho Tempo para meu Mármore

Nutriu saudade de quem não nutria
saudades algumas, pois que não vivia.
Verificou, feito inspector,
aspectos que eram apenas amor.

Bem falta lhe fez, quem nada fazia.
Todos eles na morte, ele no dia-a-dia.
Não mais é possível negociar.
Agora já está, foi-se-lhes juntar.

6. Alexandrina de B.

Lírios brancos levou consigo a dita paraplégica.
Morreram flores e virgem juntas, está bem.
Não consta fundo d’alma própria mãe,
pai não conta: lírio negro.

Padres vieram, muitos: nutridos corvos
oleando as próprias penas amortalhadas.
Não é possível dizer a portutorvos
que tais doutrinas estão mal, são erradas.

É tudo só temor de virgens paridas,
o delicioso susto dos homens violadores.
Salta, filha, pela janela, mas tem cuidado,
não me partas os vasos.

Mas, enfim, não adianto solução.
O lírio, percebo.
A gaja, não.



Tudo Caramulo, tudo noite de 18 de Fevereiro de 2007

1 comentário:

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Canzoada Assaltante